terça-feira, 27 de janeiro de 2015


27 de janeiro de 2015 | N° 18055
LUÍS AUGUSTO FISCHER

HENRIQUEDO VALLE

Saiu, em bem cuidada edição do Instituto Estadual do Livro – ei, vai sobrar IEL no novo governo? –, a Obra Reunida de Henrique do Valle, poeta. Quem organizou e prefaciou o livro, com mão técnica certa e coração também certo de contemporâneo e colega de ofício, foi o professor da UFRGS Paulo Seben.

No livrão de 439 páginas, há um mundo particular. Bem, sempre é assim, em matéria de poesia, porque poeta é justamente o sujeito que funda seu mundo, um tanto para lá ou para cá do mundo real, este aqui em que o senhor e eu usamos as palavras de modo servil e raramente temos voz individual. Poeta sempre tem voz individual: faz mais de um quarto de milênio que poeta é o que primeiro sofre, ou o que mais sofre, ou o que mais sabe dizer do sofrimento, ou tudo isso junto.

Sou da mesma geração do Henrique, que só conheci de vista (ele viveu entre 1958 e 1981, quando morreu de overdose), e do Seben, de quem sou amigo há quase quatro décadas – tempo que passa rápido, esse. Lendo as palavras do apresentador e as do poeta não tenho como escapar da leitura diante do espelho. Que desespero é aquele ali, que o poema diz como um uivo, mas também como um suspiro? Não era exatamente o mesmo que eu vivi, sob o céu cinza da ditadura militar?

Sim, era. A apresentação mostra os caminhos estéticos escolhidos – a franqueza de alma triste transformada em modalidade de discurso, a abolição da pontuação como uma reivindicação de liberdade em ato – e os poemas dão a ver muito mais do que os sofrimentos do jovem transtornado, uma espécie de beatnik com diagnóstico psiquiátrico, remédios e internações.


O grande Aníbal Damasceno Ferreira dizia que Qorpo-Santo tinha, quando menos, a importância dos cometas: ao passarem, efêmeros, dão a ver muita coisa, para além de sua própria figura, porque permitem medir distâncias relativas com outros corpos celestes. A comparação quadra bem à poesia de Henrique do Valle, voz que fixou a experiência de uma fatia histórica de nossa sensibilidade.

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