23
de janeiro de 2015 | N° 18051
MOISÉS
MENDES
Ricardinho da
Guarda
Guardei
uma frase de artigo do escritor Michel Laub na Folha de S. Paulo sobre os
impulsos que nos levam a irradiar opiniões a respeito de tudo um pouco.
Essa
é a frase: “Externar meros palpites numa coluna – ou no Twitter, ou no chuveiro
– pode servir apenas para manter a imagem justa e pura que temos de nós mesmos”.
Claro
que perdi, em algum solavanco da infância para a adolescência, a pretensão de
dispor de qualquer imagem de pureza. Mas sei que todos nós apenas fingimos não
desejar ser reconhecidos como justos. E os puros, então, quem seriam?
Cito
a frase do Michel Laub porque passei toda a manhã de quarta-feira com o amargor
da leitura de um manifesto que o surfista catarinense Ricardo dos Santos havia
publicado em 2011 na internet.
Ricardinho
falava da invasão da praia da Guarda do Embaú, em Santa Catarina, pela
grosseria que leva o som alto, a sujeira e até gente armada.
Queixava-se
dos que apareciam “tocando uma música medíocre no volume mais alto e deixando
lixo por todos os lados”. Relembrava os bons tempos em que as ameaças à Guarda
eram apenas os maconheiros, os vagabundos, os hippies.
E
falava do temor diante dos invasores. Escreveu: “Os moradores não fazem nada
porque ficam com medo de tomar um tiro”.
Ricardinho
foi morto esta semana lá na Guarda onde nasceu e se criou. Foi executado a
tiros por um soldado à paisana da polícia militar. Se fossem procurar, não
achariam coisa melhor para representar “o bandido” que, em 2011, havia sido
descrito no manifesto de Ricardinho.
O
surfista retratou no manifesto o tipo que invade todos os lugares, e principalmente
as praias, como o predador que este século só aperfeiçoa.
Eles
sempre existiram, mas têm proliferado. Não, não é coisa de pobre, é de todas as
classes, emergentes ou subemergentes.
O
sujeito descrito por Ricardinho é um dos personagens do faroeste brasileiro – é
o bagaceiro que está na Guarda, em Capão, em Torres, em Camboriú, na beira da
praia aqui de Ipanema. Ninguém o enfrenta.
Ele
é o protagonista de um fenômeno que se radicalizou para eliminar até o surfista
que o descreveu tão bem. Esse cara que ofende, degrada e vai embora é também o
algoz dos que ainda tentam nos confortar com alguma imagem genuína de pureza.
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