26
de janeiro de 2015 | N° 18054
DAVID
COIMBRA
Panquecas para Gisele
Bündchen
Aqui
em casa quem cozinha sou eu. A Marcinha às vezes faz um macarrão e tal, mas é
raro. O verdadeiro rei das caçarolas e das frigideiras é este que vos escreve.
Sou
um cozinheiro de comidas simples. Lembra da minha receita de tortilla de
Ruffles?
Pois
é. Ultimamente, tenho me especializado em panquecas. Preparo-as basicamente em
três modalidades:
1.
Com molho vermelho e carne moída, que supera o molho do cachorro-quente do
Rosário.
2.
Com a tradicional dupla Queijo & Presunto.
3.
Com banana frita salpicada de canela.
Uma
manhã de sábado, estava começando a primeira de várias panquecas e a Marcinha
veio com uma foto que a Gisele Bündchen postou em alguma rede social. Era o
marido dela, o Tom Brady, fazendo, exatamente, panquecas. A legenda dizia algo
como: “Tom Brady, the Pancakeman”.
Ora,
ora. Duvido que as panquecas de Tom sejam melhores do que as minhas. Somos
vizinhos, eles moram aqui perto. Um dia, vou bater lá na casa de Gi e desafiar
Tom para um concurso de panquecas. Eles vão ver quem é o Pancakeman.
Suspeito
de que a intenção de Tom, ao cozinhar para sua família, seja a mesma que a
minha: praticar uma ação de amor. Partilhar refeições já é um ato de
congraçamento; cozinhar, muito mais. As pessoas evitam sentar à mesma mesa com
quem acham desagradável, alegando que isso lhes faz mal. E faz mesmo. O que
você come é absorvido pelo seu corpo, se transforma em parte de você. Você não
vai querer que parte de você seja também parte de quem você não gosta.
Jesus
valeu-se muito disso em suas pregações. Ele partilhava refeições com as pessoas
e assim se aproximava mais delas. Não por acaso, a comunhão é feita através de
uma refeição simbólica. Dividir refeições une as pessoas.
Certa
feita li um conto de Michael Downs em que a protagonista é uma cozinheira de
presídio. Ela acredita que as pessoas se tornam mais respeitáveis quando diante
de uma refeição requintada e tenta provar essa tese preparando pratos delicados
para os presos embrutecidos. Então, chega o momento em que ela descobre que
terá de cozinhar a última refeição de um condenado à morte.
A
cozinheira se informa sobre o que o homem fez, e o que ele fez foram coisas
terríveis. O tempo vai passando, o dia da execução se aproxima, e a cozinheira
descobre mais e mais crimes abjetos do sentenciado. Ela passa a sentir ódio
dele. Na hora de preparar-lhe a derradeira refeição...
Não
vou contar o final e estragar o seu prazer de ler o conto. O que interessa é
que me lembrei dessa história no dia em que eu e Tom preparávamos panquecas
para as pessoas que amamos. Nesse mesmo dia, aquele brasileiro sentenciado à
morte comeu sua última refeição na Indonésia. Li que uma tia levou-lhe doce de
leite do Brasil. Terá ela feito o doce de leite com suas próprias mãos? O que
sente alguém que prepara a última refeição de um homem que vai morrer?
Pena
de morte não é dramática só para o condenado. Pena de morte muda a alma de um
país. Não, não, pena de morte não combina com o Brasil.
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