sábado, 24 de janeiro de 2015


24 de janeiro de 2015 | N° 18052
CLÁUDIA LAITANO

Bodywatch

Tem os que se espraiam na areia e os que aproveitam o mar. Tem os que agitam raquetes e os que folheiam jornal. Nenhuma dessas distrações de beira de praia, porém, é tão universal e espontânea quanto o “bodywatch”, modalidade recreativa que eu acabo de batizar e que consiste basicamente em observar o doce balanço de quem caminha à beira do mar – não necessariamente com objetivos de prospecção ou inspiração erótica, mas também para isso, que ninguém é de ferro. O bodywatch tem ginásio – a praia, qualquer praia – e até hino: Garota de Ipanema, evidentemente.

Há os que praticam o bodywatch com narração ao vivo, mas a observação individual, sem comparação de impressões, elogiosas ou não, é considerada mais elegante e civilizada. De forma discreta ou expansiva, o fato é que todo mundo aproveita a praia para admirar a natureza – inclusive, e principalmente, a humana.

Na última semana, uma jornalista foi fotografada na praia por um site sem assunto ou noção. A gratuidade da “notícia” (o corpo dela aparentemente não batia com as expectativas do redator) ficou tão evidente que o site não apenas retirou a matéria do ar como pediu desculpas à jornalista – que elegantemente aceitou. Fernanda Gentil foi vítima do pior tipo de “bodywatch”, aquele que migra da praia para as revistas de fofocas. Seu caso, porém, é exceção: em geral esse tipo de “notícia” não provoca retratação.

Tempos atrás, Betty Faria foi massacrada por ainda ir à praia de biquíni (“Querem que eu vá de burca?”, respondeu a atriz, de 73 anos). Preta Gil é perseguida por paparazzi toda vez que pisa na areia ou vai à piscina (“Engordou!”, “Emagreceu!”). Nenhuma publicação, que eu saiba, voltou atrás ou pediu desculpas.

Há algo curioso nessa necessidade de negar o direito à praia a um determinado tipo físico. Como se extremos de admiração e repulsa gerassem reações igualmente fortes. Mas se o desejo é incontrolável e cumpre a função de perpetuação da espécie, o contrário dele, seja lá que nome tenha, é inútil em termos biológicos e precisa ser entendido como uma manifestação puramente cultural. Nossa cultura tolera o sexo cantado, falado, vendido, coreografado, mas aparentemente se choca com corpos de verdade na beira da praia.

Talvez não sejam apenas os rígidos e fantasiosos padrões de beleza a causa dessa patrulha da forma física alheia, mas uma dificuldade infantil em aceitar o ciclo da vida (corpos jovens vão envelhecer – se não morrerem antes) e a injusta distribuição de beleza no mundo (alguém sempre vai ser mais bonito do que você). Beleza, oportunidades, talento, saúde, dinheiro, nada disso é distribuído de forma equânime, o que é uma pena, mas só os muito tolos acreditarão que isso é motivo para ter vergonha ou se esconder.


A praia é, sim, a passarela da desigualdade, mas é também a celebração do momento presente, da proximidade com a natureza e do inalienável e democrático direito de olhar e ser olhado – sabendo que a vida escapa ainda mais rápido do que a moça de corpo dourado que vem e que passa a caminho do mar. Por mais cheia de graça que ela seja.

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