25
de janeiro de 2015 | N° 18053
L. F.
VERISSIMO
Frases
Anedotas,
ditados, máximas e piadas têm, digamos, uma narrativa axial de significado
evidente – exemplo: coelho para a coelha: “Vai ser bom, não foi?” – e
significados radiais implícitos e/ou subevidentes. No caso do coelho e da
coelha, o sentido da narrativa está na rapidez do enunciado “Vai ser bom, não
foi?”. Coelhos são, notoriamente, animais sexualmente hiperativos, mas cuja
conjunção carnal se completa em uma fração de segundo, justamente o espaço de
tempo representado, na frase, pela vírgula.
A
quase justaposição do primeiro e do segundo segmento da frase, separados apenas
por uma vírgula providencial, é que produz o humor da piada. A frase é a piada.
São dispensadas informações secundárias tipo onde se deu o encontro do coelho
com a coelha, detalhes (caráter, vida pregressa etc.) dos dois e do pós-coito –
a coelha, por exemplo, se sentiu frustrada com a rapidez da conjunção, esperava
algo mais romântico e preliminares mais prolongadas, ou já estava resignada ao
sexo relâmpago típico da sua espécie e só esperava que pelo menos o coelho não
tivesse ejaculação precoce, o que só encurtaria ainda mais o evento?
Como
o humor está na frase rápida e não inclui detalhes adicionais comuns em outras
anedotas – que geralmente contêm uma história, um cenário identificável e
personagens humanos –, o caso do coelho e da coelha requer muita atenção do
ouvinte. Ele pode não entender da primeira vez.
E,
se quiser, pode buscar outras interpretações da piada além do comentário jocoso
sobre a vida sexual do coelho. A frase pode conter um comentário maior e mais
abrangente sobre este tempo em que vivemos, em que passamos da antecipação do
prazer para a crítica do prazer sem a etapa intermediária do prazer. O coelho e
a coelha seriam um casal prototípico da era da ansiedade, do estresse e da
rapidinha.
Não
se sabe bem a origem do ditado “Pra baixo, todo santo ajuda”. Especula-se que
veio da Idade Média. Ignora-se quem disse a frase pela primeira vez e qual foi
seu destino, mas é quase certo que morreu queimado. Talvez ele nem tenha se
dado conta, quando disse a frase, do que estava fazendo. Estava inaugurando o
cinismo. Claro, o cinismo existia desde os gregos, talvez desde as cavernas pré-históricas.
Mas
nunca tinha sido empregado daquela maneira. Sem saber, ele destruiu mais de mil
anos de pregação religiosa. Digamos que a frase foi entreouvida e fez sucesso. Boa,
boa. Ela apenas expressava, com humor, o que as pessoas pensavam, só tendo o
cuidado de não envolver os santos na sua queixa. E pode-se imaginar que não
demorou para a frase chegar ao conhecimento dos inquisidores. E seu autor ser
chamado para se explicar.
– Não
se insultam os santos!
– Eu
não insultei, eminência.
– Chamou-os
de preguiçosos. De omissos. De safados que só ajudam quem não precisa de ajuda.
– Foi
uma maneira de dizer que...
– Não
existem maneiras de dizer. O que foi dito está dito. E o que você disse foi uma
blasfêmia.
– Foi
uma piada.
– Não
se fazem piadas com os santos!
Fogueira
com ele. Hoje já se pode fazer piadas com santos, mas a natureza da blasfêmia,
como se vê, ainda está sendo discutida.
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