26
de janeiro de 2015 | N° 18054
L.
F. VERISSIMO
E o Getulio?
Em
Taquari, interior do Rio Grande do Sul, cidade natal do general Costa e Silva,
foi destruído um monumento ao general, o segundo presidente do regime militar
instalado no Brasil pelo golpe de 64. Surgiram outros movimentos no Estado e no
país com o mesmo objetivo, o de anular homenagens feitas aos presidentes
ditatoriais.
Zero
Hora fez um levantamento do número de avenidas, ruas, praças, ginásios, bustos,
estátuas etc com o nome dos generais que presidiram o país durante a ditadura,
do Castelo Branco ao Figueiredo, e chegou a mais de 50, só no Estado. Aí um
leitor escreveu para o jornal perguntando por que o nome do Getulio Vargas não
estava na lista. Imagino que muita gente, ao ler a carta, deve ter tido, como
eu, um momento “é mesmo!”.
Não
sei qual é a posição política do autor da carta ou seu motivo para levantar a questão,
e não interessa. A pergunta remete para uma questão maior, nunca
satisfatoriamente encarada ou adequadamente resolvida. A importância do Getulio
para o progresso do país é indiscutível. A legislação social inédita que ele
implantou, naquelas circunstâncias, contra aquelas oligarquias, ainda espanta.
O
Brasil se transformou, econômica e politicamente, sob o seu governo, e isto não
é opinião, é história. Mas, pelo menos durante oito anos, seu governo foi um
governo ditatorial, e Getulio tem todas as credenciais – salvo a farda e as
estrelas de general – para estar na lista.
O
Estado Novo, que vigorou de 37 a
45, inspirado no regime de Salazar em Portugal, tinha os requisitos completos
de um Estado fechado e repressor. O arbítrio era igual ao que se seguiu ao
golpe de 64. O Congresso foi fechado, havia censura à imprensa, prisões ilegais
e tortura de presos. Um nome se destacou entre os que comandavam a repressão, o
de Filinto Müller, um admirador do nazismo e o principal responsável pela
extradição da mulher do Prestes, a judia Olga Benário, para a Alemanha de
Hitler.
O
Estado Novo acabou em 45, com a destituição de Getulio. Ele deixou no seu
rastro um movimento popular, o “queremismo”, que acabou levando-o de volta ao
poder. Pelo voto, o que para muitos significou uma absolvição do seu passado.
Filinto Müller continuou sua carreira política e morreu num acidente de avião,
também absolvido. Hoje há uma escola com seu nome no interior de São Paulo, e
não deve ser a única.
Alguém
já disse que comédia é tragédia mais tempo. Substitua-se “comédia” por
“esquecimento” ou “perdão” e temos uma explicação para o fenômeno Getulio e
para a dificuldade do seu julgamento, a menos que se adote a ideia do ditador
no bom sentido. Ele continua um mito para a esquerda e um enigma para o resto –
ou seja, refratário a qualquer definição.
Além
disso, imagine o trabalho que daria mudar o nome de todas as avenidas Getulio
Vargas do país.
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