31
de janeiro de 2015 | N° 18059
CLÁUDIA
LAITANO
Distopia
Para
imaginar o pior mundo possível, basta idealizar o paraíso e depois inverter
tudo. No lugar da fartura, a escassez, em vez da harmonia, o caos, no lugar da
fraternidade, a ganância, da liberdade, a opressão. Dá-se ao cenário ideal o
nome de “eutopia” (lugar bom) e ao caótico o de “distopia” (lugar ruim) – os
dois termos são derivações de “utopia”, o lugar que não existe, nomeado por
Thomas Morus no livro homônimo publicado há 500 anos.
Como
o homem é quem inventa e desinventa governos, cultos e arranjos sociais
diversos, causas de quase tudo de bom ou ruim que pode afetar a vida das
pessoas, distopias e eutopias são o resultado de visões opostas a respeito da
natureza humana. Em uma eutopia, coloca-se ênfase na capacidade do homem de
aperfeiçoar a si mesmo e ao mundo que o cerca. Em uma distopia, a natureza
humana é essencialmente corrupta e egoísta, capaz de arruinar, cedo o tarde,
tudo que está em volta.
Paraísos
nunca emplacaram muito como ficção, a não ser, claro, como ficção religiosa,
mas cenários apocalípticos são inventados e reinventados de tempos em tempos,
com função expiatória e catártica – dize-me o que temes e te direi quem és (e
onde moras). Os imprevisíveis avanços da tecnologia, o terrorismo e as mudanças
climáticas são fontes pródigas para a imaginação distópica da nossa época, não
apenas pelo que têm de real, mas pela natureza difusa dessas ameaças.
Como
impedir que um cientista invente um vírus capaz de dizimar a espécie? Como
evitar que um garoto ocidental sem perspectivas seja seduzido pelo apelo do
fundamentalismo? Como convencer governos a colocarem limites na emissão de
gases poluentes quando a economia está indo para o brejo? O perigo parece estar
em todos os lugares – o que, por si só, já é uma distopia.
No
Brasil, nunca tivemos muita vocação para o catastrofismo nem para a angústia
dos medos difusos. Nossas tragédias nunca foram poucas, mas também não nos
pareciam irremediáveis. O futuro, nossa mais perfeita eutopia, era aquele lugar
onde tudo, um dia, iria se ajeitar. A sensação é de que esse recurso natural, o
otimismo, está finalmente chegando ao limite, como os reservatórios de São
Paulo.
O
ministro que disse que era preciso contar com Deus para resolver o problema de
falta de água lançou mão de um manancial que parecia inesgotável – aquele que
não depende do que as pessoas fazem para resolver seus problemas e sim de como
aprenderam, desde sempre, a conviver com eles. Mas até isso parece estar
secando.
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