quinta-feira, 29 de janeiro de 2015


29 de janeiro de 2015 | N° 18057
L. F. VERISSIMO

“Banlieues”

Houve um tempo em que se dizia “o que será do Rio quando os morros descerem?”. Os morros já tinham favelas e as favelas, além de enfearem a paisagem, eram viveiros de “maus elementos”, outra frase da época. Mas era um tempo em que ainda se podia romantizar os morros, lá onde os pobres viviam pertinho do céu, o luar furava os tetos de zinco e salpicava de estrelas o chão dos barracos e a cabrocha e o violão bastavam para se ter felicidade.

As pessoas conviviam com o morro romantizado para não ter que pensar no inevitável: e quando os morros descerem para o asfalto e não for Carnaval? E quando a miséria real, nos morros e nos arredores da cidade, derrotar qualquer tentativa de poetizá-los? O inevitável, como se lê no noticiário do Rio de todos os dias, já aconteceu.

Seria exagero chamar os “banlieues” de Paris de favelas. São, na sua maioria, edifícios construídos para uma população de baixa renda e que acabaram concentrando imigrantes do Magreb, da África Equatorial e do Oriente Médio. A maior parte dos jovens de “banlieue” é de desempregados, e os índices de crimes violentos nessas periferias são enormes.

Mas ao contrário do Rio, onde você nunca perde o contato, pelo menos visual, com uma favela, de qualquer ponto da Zona Sul, em Paris você não vê vestígio da existência dos “banlieues”, salvo em alguma correria atrás de um batedor de carteira no metrô ou numa manifestação com quebra-quebra na rua, quando os jovens dos “banlieues” monopolizam a violência.

E desaparecem. A Paris que a gente conhece é apenas o centro de uma cidade que, assim como preservou sua arquitetura e seus monumentos, conserva sua solene indiferença ao cinturão de pobreza e ressentimento que a cerca. E lá também se pergunta, como no Rio antigo: e quando o cinturão apertar e a periferia invadir o centro?

Experiência pessoal. Por alguma razão, me convidaram para falar sobre um livro meu recém traduzido para o francês na biblioteca de um “banlieue” de Paris e escalaram um professor de literatura para me acompanhar. A plateia para assistir ao meu vexame consistia de quatro pessoas, e duas destas eram minha mulher e minha filha.


Na saída, ficamos esperando enquanto o professor ia buscar seu carro. O professor custou a voltar, e voltou com uma cara assustada. Tinha sido assaltado por um bando. Levaram seu casacão e seu dinheiro – provavelmente o cachê pago para me entrevistar – e deixaram sua resolução de nunca mais aceitar um convite para assessorar escritor brasileiro num “banlieue”.

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