03
de janeiro de 2015 | N° 18031
NÍLSON SOUZA
A ENTREVISTA
Encontrei
na virada do ano um velhinho que caminhava solitário às margens plácidas do
lago/rio/estuário das nossas dúvidas alegreportenses. Era noite já, e cheguei
mesmo a pensar que aquela aparição de barbas compridas fosse o próprio homem do
calendário, batendo em retirada lá para os lados da Ponta Grossa. Resolvi
entrevistá-lo:
–
Boa noite! Feliz ano velho! – disse, para chamar-lhe a atenção.
–
Feliz? – murmurou, sem levantar a cabeça. Parei na sua frente e tentei
animá-lo.
– Se
não foi feliz, também não foi totalmente infeliz. Afinal, estamos vivos. O que
aconteceu com você?
–
Tropecei na bola... – me disse, com sete rugas de preocupação.
–
Ora, isso acontece com os melhores campeões – argumentei sem muita convicção.
–
Mas não foi só isso – ele acrescentou. – O que mais? – ousei perguntar.
–
Sujei as mãos de petróleo – confessou, aparentemente envergonhado.
Era
só lavá-las, pensei, sem captar o sentido figurado do verbo. Como se lesse meus
pensamentos, ele acrescentou, ainda na linguagem das metáforas.
–
Faltou água. E por culpa minha.
Captei
a mensagem e tentei consolá-lo:
–
Erro de santo. São Pedro é que controla a torneira – tentei brincar.
Sem
achar graça do trocadilho, ele continuou:
–
Também não consegui controlar a filharada, que brigou como gato e cachorro para
mandar na casa.
Agora,
já ciente de seu gosto pelas analogias, percebi que falava das eleições.
Procurei mudar de assunto:
–
Mas o ano terminou bem, um brasileiro caminhou sobre as águas do mar no
Havaí...
– E
muitos outros ficaram retidos nas estradas engarrafadas – atalhou ele.
Seu
baixo-astral era contagiante. Resolvi, então, encerrar a entrevista, mas antes
quis saber a sua identidade. Comecei pela idade:
–
Quantos anos tem o amigo? – Vou fazer 515 no próximo abril - afirmou com
convicção.
Só
então percebi com quem estava falando. Já um pouco agastado, tratei de me
despedir:
–
Passe bem, senhor Brasil! E saí rezando para que o meu primeiro desejo de
Ano-Novo se realize.
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