03
de janeiro de 2015 | N° 18031
DAVID
COIMBRA
Por que o governador
decepciona
Num
domingo de manhã, tempos atrás, fui ao Trader Joe’s para reabastecer a
despensa. O Trader Joe’s é um supermercado meio natureba – pelo menos a filial
perto da minha casa é. Tem um monte de produtos orgânicos e tal. Eles nem
vendem refrigerante, que faz mal para o corpo. Mas bebida de álcool vendem, que
faz bem para a alma.
Nesse
dia, queria comprar, entre outras coisas, um tinto do Napa Valley, para ver se
os americanos conseguiram se equiparar ao Vinhedo’s Valley, de Bento. Mas,
quando cheguei à seção de bebidas, surpresa! Não pude entrar. Aí percebi que
havia uma fila de pacientes americanos ao lado do acesso ao setor. Fui falar
com um deles e descobri o que estava acontecendo: existe uma lei, no Estado de
Massachusetts, que proíbe a comercialização de álcool aos domingos até o
meio-dia.
É
uma das chamadas “leis azuis”, as leis com base em tradições religiosas. A
ideia é que as manhãs de domingo servem para ir à missa, para se fazer uma
pausa de sobriedade e reflexão.
Bem.
Faltavam cinco minutos para o meio-dia. Passado esse tempo, uma multidão
invadiu a seção de bebidas e deu de mão nas garrafas de uísque, rum, cerveja e
vinho, e acabaram-se a sobriedade e a reflexão.
Você
tem de prestar atenção às leis estaduais, por aqui. Os Estados Unidos são, de
fato, um país federalista, inclusive (e principalmente) na arrecadação de
impostos.
A
federação brasileira foi organizada tendo os Estados Unidos como molde, mas não
funciona da mesma forma. O Brasil é um país centralizado, o presidente é um rei.
Há
uma razão histórica para isso.
Nos
Estados Unidos, ao contrário de todos os outros países do mundo, o Estado foi
constituído antes da nação. As 13 colônias inglesas eram como que países
independentes entre si, embora fossem vinculadas à coroa britânica. Como
Uruguai, Argentina e Paraguai, que eram da coroa espanhola.
Então,
um grupo de intelectuais se reuniu e criou regras para formar um país. Depois
disso, as colônias foram se agregando ao país, como sócios que ingressam num
clube, até chegar ao atual número de 50 Estados.
Essa
situação colocou a lei no centro da vida norte-americana. Porque os Estados
Unidos foram FUNDADOS pela lei. Há um famoso discurso de Lincoln em que ele
brada:
“Que
o respeito às leis seja transmitido por todas as mães norte-americanas com um
bebê balbuciante nos braços. Que seja ensinado em escolas, seminários,
faculdades. Que seja mencionado em cartilhas e almanaques. Que seja pregado nos
púlpitos, proclamado nas tribunas legislativas e reforçado nos tribunais. Em
suma, que se torne a religião política da nação!”
E
assim é. Os americanos confiam no sistema, e o sistema é intrinsecamente
federalista e municipalista.
Tal
realidade não impede que Estados e municípios americanos cometam erros e sejam
mal administrados, obviamente, mas a diferença em favor deles é que um Estado
brasileiro não tem autonomia nem para ser miserável. Sartori, agora, está
assumindo um Estado que só tem uma prerrogativa: de pedir mais ou menos
recursos para a União.
O
que um Estado brasileiro pode fazer que a União ou o município não façam
melhor?
De
quatro em quatro anos, o Rio Grande do Sul troca um governador com quem se
decepcionou por outro com quem se decepcionará. Não é culpa dos governadores.
Talvez os gaúchos tenham uma parcela de culpa, porque esperam demais de seus
governadores e acreditam demais na ficção de autonomia do seu Estado.
Mas
a culpa maior, na verdade, é da estrutura da federação brasileira, que é
federação só no nome. Antes da reforma política, o Brasil tinha de passar por
uma profunda reforma tributária, mantendo a maior parte da arrecadação onde o
imposto é cobrado, tornando o país uma federação de fato. Mas em Brasília vivem
reis, e quem vai querer deixar de ser rei?
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