sábado, 5 de junho de 2010



05 de junho de 2010 | N° 16357
NILSON SOUZA


O tempo e o peixe

Não sei onde foi parar o tempo das pessoas, mas a verdade é que ninguém mais tem tempo para nada – e a leitura, invariavelmente, é a primeira sacrificada. Dia desses, perguntaram para um político em campanha eleitoral qual o livro que estava lendo, e a pobre criatura teve que remexer no fundo da memória para lembrar o título do último que tinha lido, sabe-se lá quando. Isso se não foi o único. Parece que já chegamos a esse estágio: ler um livro – e não escrevê-lo, como era antigamente – passou a ser a obra de uma vida.

Afinal, ler é perder ou ganhar tempo?

Cada vez que um jornal faz uma reforma gráfica, os textos encurtam. O pretexto é sempre o mesmo: como as pessoas cada vez têm menos tempo para ler, entrevistas, reportagens e artigos devem ser mais sucintos. Dizem também que os jornais precisam concorrer com a televisão e com a internet, que já usam linguagem concisa.

No caso da web, mais do que concisa, quase telegráfica, hieroglífica muitas vezes. Serve para comunicar, é verdade, mas que lastro cultural deixa? Tudo bem que ninguém mais precise ter uma cultura enciclopédica, o Google virou pronto-socorro dos desinformados. O que me preocupa é a superficialidade da síntese. As pessoas leem títulos e já se consideram satisfeitas.

Esta obsessão pela concisão me faz lembrar o célebre episódio do vendedor de peixes, contado pelo escritor inglês John Ruskin. O homem colocou um quadro-negro no balcão de sua banca e escreveu: “Hoje, vendo peixe fresco”. E perguntou a um amigo professor se ele acrescentaria mais alguma coisa. O amigo leu, ponderou e respondeu:

– Você já notou que todo dia é sempre hoje? Esta palavra é dispensável.

O peixeiro apagou e deixou: “Vendo peixe fresco”. O professor releu e fez novo comentário:

– Numa feira, ninguém dá peixe de graça. É claro que os produtos aqui expostos estão à venda.

O apagador funcionou outra vez. Ficou: “Peixe fresco”. Nova observação do visitante:

– Por que apregoar que o peixe é fresco? Numa feira de cais do porto, todos são frescos.

Já contrariado, o vendedor deixou apenas a palavra “Peixe”. Nem precisou o amigo falar, porém, para ele se dar conta de que a mercadoria exposta aos olhos do público era peixe. Portanto, a palavrinha também era dispensável. O anúncio sumiu e, segundo conta a lenda, a mercadoria sumiu também, foi toda vendida. Pelo que se conclui que as palavras eram desnecessárias.

Mas nem sempre é assim. Agora vou vender o meu peixe.

Escritores e jornalistas vendem histórias que não podem ser resumidas em meia dúzia de palavras, porque perdem a profundidade, a emoção e o sentido. Nosso desafio é conquistar os sentidos e o coração dos leitores, para que eles se sintam envolvidos pela leitura e dediquem a ela o tempo que julgam não ter.

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