quarta-feira, 2 de junho de 2010



02 de junho de 2010 | N° 16354AlertaVoltar para a edição de hoje
MARTHA MEDEIROS

Berenice e Rafinha

Uma das pessoas mais admiráveis do nosso país é a advogada gaúcha Maria Berenice Dias, primeira mulher a ser juíza e desembargadora no Estado, e que tem como marca registrada a sua luta incansável pelos direitos da família.

De certa forma, devemos a ela, também, o privilégio de o Rio Grande do Sul ter sido palco de uma decisão inovadora cerca de um mês atrás, quando um casal formado por duas mulheres obteve o direito legal de adoção.

Apesar de a Constituição não reconhecer pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, o relator do processo foi firme em sua defesa de que o interesse deve ser sempre pelo bem do menor e que não havia razão para suprir o direito dos meninos requeridos (eram dois irmãos) de desfrutarem de uma convivência protetora e afetiva.

De fato, crianças escolhidas para serem cuidadas e amadas dentro de um lar sempre estarão em melhor situação do que num orfanato, não importa a opção sexual dos pais adotivos.

Os casos de exceção, como o da procuradora que recentemente foi presa por agredir uma menina de dois anos que estava sob sua guarda provisória, nada têm a ver com homossexualidade ou heterossexualidade, e sim com equilíbrio mental e capacidade de amar.

Isso tudo me fez pensar que essa vitória jurídica não foi apenas dos gays e da sociedade como um todo, mas, em particular, também dos gaúchos, que ainda carregam nas costas a fama antiquada de machões inflexíveis.

Pois agora surge Rafinha Bastos, humorista do programa CQC, igualmente gaúcho, vestindo a camiseta da “Casa do Heterossexual”, com sede em Porto Alegre, pedindo adesões para que a instituição não desapareça. Tudo brincadeira, óbvio.

Só que a camiseta que Rafinha veste não é tão inocente: nela, há uma ilustração com vários bonequinhos coloridos de mãos dadas, enquanto um, preto, com cara de mau, não apenas se nega a dar as mãos, como sugere estar soqueando os demais. E lá vamos nós pro fim da fila, de novo, passando uma imagem para o Brasil de que somos um bando de trogloditas.

Não há sociedade no mundo que não se utilize de estereótipos para extravasar. Sobra pra todos: loiras, negros, gordos, velhos, caolhos, publicitários, surfistas, advogados, nordestinos, políticos, padres, argentinos, evangélicos. Não existe classe acima do bem e do mal, ninguém se salva, e os gays lideram a lista dos courinhos. Como se equaliza isso?

Todos os humoristas que já nos fizeram rir de forma escrachada – de Jerry Lewis a Monthy Python, de Jim Carrey a Sacha Baron Cohen, de Jô Soares a Chico Anysio, passando por Renato Aragão, TV Pirata, Zorra Total e Casseta e Planeta –, todos se utilizam, uns mais, outros menos, do politicamente incorreto. Ou não teria graça.

O que diferencia os variados tipos de humor são sutilezas difíceis de medir, mas que existem. São elas o bom-tom, a pertinência e, principalmente, a inteligência. Humor sem inteligência coloca tudo a perder.

Menos mal que piadas somem no vento. Vale o que diz a lei.

Uma excelente quarta-feira para vc. Aproveite o dia

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