quarta-feira, 2 de junho de 2010



02 de junho de 2010 | N° 16354
JOSÉ PEDRO GOULART


O logotipo

Dennis Hopper nunca foi inspiração para um escoteiro. No entanto viu seu rosto, sua expressão em alguns filmes, virar logotipo de insanidade. O que não é pouco num século com tantas marcas famosas

Violento, paranoico; perseguiu e foi perseguido pelas mulheres que teve. Bebeu todas e raramente recusou um artifício químico para visitar o inferno – ou o paraíso, conforme a religião de cada um. Foi preso, algemado, fichado. Morreu de câncer aos 74. No final, ainda conseguiu fôlego para se divorciar da última mulher na tentativa de modificar a partilha de seus bens.

Hopper seria apenas um ator medíocre, caso não definisse desde cedo que não havia distinção entre a vida real e a ilusória. Dessa forma, acostumou-se a transitar no mundo paralelo do cinema usufruindo do personagem demoníaco que criou para si.

Eis uma verdade: há muitas ondas no mar. Para se avançar até as profundezas é preciso furar algumas. Mas o mar sempre vai mandar uma onda atrás da outra para que tudo permaneça no raso. Eis outra verdade: as ondas são eternas. Os que se aprofundam se arriscam. E quando se afogam podem levar junto, pelos cabelos, pelas orelhas, os que estavam lá só para boiar.

Agora que Hopper morreu muitos vão falar de sua vida turbulenta com um certo romantismo. Um anti-herói da contracultura, ou seja, um anti, um contra, um maldito.

Os malditos nos ajudam a ser caretas. Nos dão licença para um vida ordinária, mas cômoda. Desafiam o mar por nós, lavam nossa alma enquanto permanecemos na areia fofa, morninha, gastando nossa hora de praia torcendo por eles.

O diabo atrai. O tio bêbado que diz verdades no Natal vira lenda Ou o valente brigão do grupo, sempre pronto para desconcertar a pose de quem estiver no comando. O diabo assusta. A maioria gosta de gostar, desde que isso não obrigue a um caudaloso compromisso. Apenas a higiênica devoção.

Certos filmes contêm o pólen de flores venenosas. Protegidos no escuro da sala de exibição, aprendemos a amar os malucos – como os motoqueiros malcheirosos de Sem Destino –, os rebeldes em geral. Eles lá, nós aqui, claro. Quem é quer um cunhado assim, irmão; ou que o motoboy da empresa apareça daquele jeito pela manhã?

Preferimos que eles permaneçam no totem inatingível dos astros do cinema. Que virem biografia de capa dura, um livro de receitas e verdades para ser distribuído no amigo-secreto da firma.

Nenhum comentário: