sexta-feira, 5 de outubro de 2007



Autobiografias

Como diz o outro, queria ser imortal em vida. Esses negócios de morte, biografia e eternidade, tô fora! Biografia precoce, então, nem pensar. Prá começar, acho o personagem principal meio polêmico e indecifrável.

Mas como na vida tudo acontece e as únicas certezas sobre o futuro são pagar mais CPMF e outras taxas e bater as botas, pensei em deixar aqui as verdades sobre minhas vidas passadas, presentes e futuras, contadas por estas pessoas que, dizem, compõem esse tal de Jaime. Esse aí mesmo, que às vezes encaro no espelho do banheiro, de manhã.

Queria "facilitar" a tarefa de algum desocupado biógrafo que viesse a se interessar por mim, homem comum igual aos outros e aos ditos "personagens históricos". Queria dar menos trabalho para os imparciais e laboriosos colegas jornalistas das Vejas e IstoÉs da vida.

Para buscar as muitas verdades, os infinitos mitos e revolver as camadas de todo tipo que me cobrem, marquei uma assembléia com meus milhares de eus. Reservei o Gigantinho. Queria tudo, todas as versões possíveis e imagináveis.

Alguns Jaimes, os rebeldes, não apareceram e nem se justificaram. Trinta e dois mandaram atestados médicos do INSS, alegando impossibilidade; e vinte e três, educados e mentirosos, falaram que tinham viagens e outros compromissos marcados anteriormente.

E não pintaram mesmo. Pedi para trazerem documentos e provas para comprovação das informações, mas alguns eram feitos de papel paraguaio e não estavam lá muito legíveis.

Outros eram em línguas estranhas. Algumas dezenas de testemunhas que apareceram para falar de mim eu nunca vira mais gordas.

Trinta e duas eram cegas e surdo-mudas. Complicado, esse lance de biografia. Não é só a questão do "a favor ou contra" e da orientação ou intenção do "historiador". É, História, coisas que não aconteceram contadas por caras que não estavam lá.

Deu confusão na reunião. Nem o Fernando Pessoa e o Freud conseguiram organizar. Uns diziam que eu era flor de pessoa, bonzinho, grande amigo, valente, bom pai e excelente marido, trabalhador abnegado e meio santo.

Outros disseram que eu não valia um pum, que era uma peste, covarde, que não era chegado no batente e que minha vida não valia uma folha de ofício. A turma do deixa-disso falou em visão equilibrada, concepção holística, depoimento imparcial e outras ficções.

Acabou apanhando das outras duas turmas e sendo expulsa. Saco, complicado esse lance de dados biográficos. Achei melhor largar tudo de mão e deixar que eu e os outros inventem o que bem entenderem.

De preferência através de romances bem escritos, que rendam bons filmes roliudianos e uns pilas simpáticos. Chega! Deu! C´ést fini! Fui! (Jaime Cimenti)

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