sábado, 13 de outubro de 2007



14 de outubro de 2007
N° 15392 - Luis Fernando Verissimo


Pensando melhor - Do baú

Console-se com o seguinte pensamento: se você não tivesse reprimido nenhum impulso e feito tudo que deu vontade de fazer, na hora em que deu vontade, você hoje estaria preso, ou gravemente desfigurado. Civilização é autocontrole.

Só chegamos vivos a este ponto porque resistimos à tentação de dizer aquela verdade, enterrar o nariz entre aqueles seios fazendo "ióim, ióim", jogar tudo no 17 ou sair dançando com o policial.

Todo ser humano é a soma, não das suas decisões mas das suas hesitações, ou do que, pensando melhor, decidiu não fazer. Nunca lamente o caminho não tomado, ele provavelmente levaria à ruína - ou à fortuna, mas ela não lhe faria bem.

Quanta gente você não teve vontade de esgoelar, e no fim apenas sorriu e limpou sua lapela? Quanto jornal você não teve vontade de amarrotar e jogar no lixo, desejando que em vez do jornal fosse o articulista, mas se conteve, e passou, educadamente, à página seguinte?

Fez bem. Ignore o aviso de que a repressão de impulsos leva a manchas na pele, cavernas no fígado e sono agitado do qual você acorda soqueando o travesseiro. Acredite, pensar melhor é muito mais saudável.

Uma retrospetiva de tudo que você imaginou fazer e não fez o convenceria disto: foi ou não foi mais prudente abandonar aquele plano de jogar ovos no ministro e, em vez disso, mandar uma carta com ironias pesadas sobre a sua política aos jornais?

Quando a orelha dela estava ali, a poucos palmos da sua boca, pedindo uma mordidinha, você pensou: por que não?

Só porque vocês estavam numa roda com outros, inclusive o marido dela, seu patrão, e ninguém entenderia quando você explicasse que confundira a orelha com um canapé? Mas você pensou melhor e recuou, civilizadamente. Fez bem.

Eu, por exemplo, resisti ao impulso de fugir de casa para ser aviador. Poupei-me da frustração de descobrir que eles não aceitavam pilotos de caça com menos de seis anos de idade. Fiz bem.

Corri atrás de uma menina para dizer que a amava, pensei melhor e apenas esbarrei nela, esperando que ela interpretasse a colisão como uma declaração. Deixei-a sentada no chão, chorando, mas escapei do ridículo, pois eu nem sabia seu nome.

Pensei vagamente em estudar arquitetura, como todo mundo. Acabaria como todos que eu conheço que estudaram arquitetura, fazendo outra coisa. Poupei-me daquela outra coisa, mesmo que não tenha me formado em nada e acabado fazendo esta outra coisa.

É verdade que às vezes me pergunto como teria sido se eu não tivesse reprimido o impulso de ir estudar cinema em Londres. Eu hoje poderia ser, sei lá, um dos melhores lavadores de prato do Soho. Mas agora é tarde.

Afrodisíacos

- Você já ouviu falar de vinho de genciana?

- Não. Por quê? - Eu estava lendo que genciana é afrodisíaco. - Eu nem sei o que é isso. - Afrodisíaco?

- Não. Genciana. - Nem eu. Vamos ver no dicionário?

Depois: - Senta aqui do meu lado. Assim a gente vê juntos.

- Tá. - Deixa ver. Ge, ge, ge... "Genioso", "genista", "genital"... - Quando você era pequeno, não procurava nome feio no dicionário?

- Procurava! Me lembro quando eu descobri que no dicionário tinha "bunda". Foi uma sensação. Depois procurei todos os sinônimos de "bunda" que conhecia.

- Eu fui logo procurar o, você sabe. Pênis. - E todos os seus apelidos.

- Como a gente era boba, né? - "Genitália"..."genitivo"... Espera aí, estou olhando na página errada. "Genciana"... "genciana"... Está aqui! "Genciana". Hmm... "Planta da família das gencianáceas..."

- Qual é a família? - Gencianáceas. Por que, você conhece?

- Não, não. Foi a maneira como você disse. Achei... - O quê? - Bonitinho. "Gencianáceas"... Diz de novo.

- Gencianáceas. - Vamos pra cama?

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