sábado, 13 de outubro de 2007



14 de outubro de 2007
N° 15392 - Moacyr Scliar


Beleza e feiúra

Onde está o feio, vive o belo.

Os padrões de cultura definem um e outro. Na Índia de pele escura, o branqueamento é moda. Na Itália, os feios fundaram uma associação e atraíram cerca de 20 mil pessoas de todo o mundo

Em 2004, este fantástico ensaísta e ficcionista que é o italiano Umberto Eco publicou História da Beleza, um livro que, conjugando o vasto conhecimento do autor com um estilo leve e acessível, tornou-se instantâneo best-seller.

Nesta semana, Eco lançou o que pode ser considerado uma continuação da obra: trata-se de Storia della Bruttezza (História da Feiúra), que já traduzido em 27 idiomas, certamente repetirá o sucesso de História da Beleza.

É muito significativo que Eco tenha escolhido primeiro a beleza e depois a feiúra. Simplesmente seguiu a ordem natural da preferência humana. Uma ordem que tem raízes até biológicas.

Por que, para os homens, é bela uma mulher com cadeiras amplas? Porque isso significa uma bacia larga e, portanto, uma gravidez e um parto mais tranqüilos.

Quando falamos em beleza, diz Eco, estamos freqüentemente falando em harmonia de traços, em proporções adequadas; ora, um corpo deformado alerta para uma possível anomalia, um defeito congênito ou adquirido, uma doença.

Atualmente, gordura já não é sinal de boa saúde; mas no século 19 temia-se a magreza, que podia ser sinal daquela sombria doença, a tuberculose, hoje perfeitamente curável.

Mas o ser humano não se restringe à biologia, o ser humano é também cultura. A cultura condiciona os padrões de beleza e, por conseguinte, os de feiúra.

Na Índia, um país onde as pessoas em geral têm a pele escura, existe atualmente uma verdadeira obsessão pelo "branqueamento": 60% dos produtos vendidos pela indústria de cosméticos destinam-se exatamente a isso, a tornar a pele das mulheres mais clara.

Por quê? Ora, por quê. Porque nos países (ainda) hegemônicos em nosso mundo, as mulheres são brancas e loiras. Não por coincidência as indianas optaram pela brancura quando seu país tornou-se um dos emergentes.

Beleza é obsessão. Mas, diz Eco, a fealdade é decididamente mais interessante que a beleza. Entre outras razões porque a beleza acaba homogeneizando as pessoas, ao passo que a feiúra significa originalidade.

Neste sentido é profundamente simbólico o conto de Hans Christian Andersen, O Patinho Feio. Lembrando: Mamãe Pata choca seus ovos, nascem os patinhos, mas um deles é maior, é diferente, o que atrai a hostilidade dos outros patos e faz com que o coitado viva infeliz.

Mas aí encontra um bando de cisnes, constata que é um deles e descobre a felicidade. Provavelmente a narrativa reflete a história do próprio Andersen, que era muito feio e que era menos reconhecido como escritor em seu país, a Dinamarca, do que fora dele.

Esse sentimento de rejeição explica a existência de uma Associação Internacional dos Feios, fundada na Itália em 1879 com o nome de Club dei Brutti.

Tem cerca de 20 mil membros em todo o mundo; seu lema é "A pessoa é aquilo que é e não aquilo que parece", seu emblema, uma cabeça de urso. O patrono é uma figura da mitologia romana, o deus Vulcano.

Quando nasceu, Vulcano era tão feio que sua mãe jogou-o do alto de uma rocha. Vulcano sobreviveu, tornou-se um genial ferreiro. Por causa de seus méritos, foi admitido ao Olimpo, onde casou - com quem? - com a bela Vênus, deusa do amor.

Bota ironia nisso. Irônica foi também a recente eleição do presidente, Telesforo Iacobelli. Decisivo na escolha foi o nariz dele, não por ser grande, mas por ser pequeno demais, coisa de que os italianos não gostam.

Conclusão: como nos diz Andersen, a beleza é relativa. A beleza nos ajuda a viver; mas viver para a beleza, e, sobretudo, sacrificar-se pela beleza é um absurdo que acaba cobrando seu preço.

Falando em livro, em Lembra do Transasom? (L&PM), o leitor vai encontrar interessantes histórias da radiofonia e da cultura pop no RS, contadas por Pedro Sirotsky ao jornalista Marcelo Ferla.

Queen, Led Zeppelin, Bixo da Seda, Almôndegas, está tudo ali. Um oportuno depoimento, nestes 50 anos da RBS.

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