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26 de Fevereiro de 2025
OPINIÃO RBS
Os falsos enfermos do crime
Começou a causar estranheza, ainda no ano passado, a quantidade de lideranças de facções que conseguiam na Justiça a concessão de benefício da prisão domiciliar humanitária devido à necessidade de tratamento de saúde ou cirurgias. Muitos, apesar de dizerem-se debilitados, voltavam a delinquir. Outros se tornavam foragidos. Reportagem do Grupo de Investigação (GDI) da RBS de outubro de 2024 identificou ao menos 15 membros da cúpula do crime organizado que saíram detrás das grades com esse subterfúgio em cerca de um ano. Desses, sete fugiram.
O que intrigava, até pelo padrão de conduta, agora tem explicação. Atestados e laudos eram falsificados para induzir o Judiciário ao erro. Os detalhes do esquema vieram a público ontem, com a deflagração da Operação Hipocondríacos, liderada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do RS e pela 8ª Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre. Foram alvo de mandados de busca e apreensão profissionais da área de saúde, advogados e um intermediário da fraude ligado à facção.
É mais um exemplo do grau de sofisticação e do poder de cooptação dessas quadrilhas, que espalham os seus tentáculos pelos mais variados ramos de atividade e negócios. Um traumatologista está entre os investigados.
A descoberta, além de desarticular o esquema, deve servir para o Judiciário ficar mais atento a pedidos do gênero, em especial de faccionados. Será preciso ainda ampliar os cuidados e melhorar bastante a estrutura de atendimento de saúde nos presídios para evitar a alegação da necessidade de buscar atendimento fora, inclusive de especialistas. Ainda no ano passado, apareciam as pistas de que os criminosos sabiam explorar as deficiências do sistema carcerário para obter de forma fraudulenta o benefício previsto na Lei de Execuções Penais.
No papel, os presos demostravam que estavam doentes e laudos asseguravam a necessidade de consulta de especialistas, em falta nos presídios. Uma magistrada também citou que consultas mediante escolta marcadas fora do sistema prisional acabavam não sendo realizadas, porque a Polícia Penal não levava os presos. Diante do histórico de omissões e falhas, reforçava-se o argumento da conveniência para uma prisão domiciliar humanitária.
Conforme ainda o MP, uma advogada foi flagrada reclamando de um laudo "fraco" elaborado por um médico e pedindo para que ele "dramatizasse" mais o caso, para elevar as chances de convencer o magistrado que analisasse o pedido. Em outras situações, o preso era conduzido até um hospital para uma cirurgia, mas o procedimento não era realizado. Mesmo assim, acabava indo para casa, como se precisasse se recuperar.
Além da operação de ontem, o MP diz que age em outras frentes, como a elaboração de um protocolo para melhorar as avaliações de saúde no sistema prisional e um esforço para viabilizar a o incremento do atendimento médico nos presídios. Isso diminui a necessidade de deslocamento para consultas. Além de responsabilizar os profissionais que acabaram aliciados pelo crime organizado, passa a ser essencial melhorar a assistência de saúde oferecida nas penitenciárias. _
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