quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025


26 de Fevereiro de 2025
CARPINEJAR

O colo do mar

Decidimos entrar no mar no raiar do sol, quando ele se mostrava desabitado, deserto até de pescadores. Como se a praia fosse somente nossa. Beatriz e eu descemos correndo da pousada para abraçar as águas em nossa frente. Estávamos na Garça Torta, em Maceió (AL). O café da manhã ficaria para depois.

Só que estranhamos a presença de três mulheres conversando animadamente no fundo. Eu cheguei a brincar com elas:  Vocês reservaram esse horário? Porque nos agendamos primeiro com Deus.

Elas riram. Lu Seixas, psicóloga, logo explicou: - Nem vem, nos reunimos aqui toda segunda-feira. E sem querer descobrimos o valor da cumplicidade daquela trinca de amigas.

Elas se veem ali, no começo da jornada semanal, no mesmo lugar e no mesmo horário, antes do trabalho. Colocam a prosa em dia. Elas se amparam, elas se fortalecem. Poderiam estar num boteco, num restaurante, nas suas respectivas casas, mas preferem marcar encontro no meio do oceano. Anonimamente.

Ninguém atrapalha. Ninguém interfere. Não há celular. Não há distração. Voltam a ser crianças, divertindo-se com o vaivém infinito das ondas. Seus únicos pertences são os chinelos na areia - o resto, a memória carrega.

Nunca tinha refletido sobre isso. É o cenário ideal para lavar as mágoas, para que as tristezas sejam levadas embora. Para, no fim das palavras, rir mais bonito com o sal da catarse. Lu sempre está escoltada por Mylene, programadora, e Carol, fonoaudióloga. Permanecem, por 50 minutos, desligadas do mundo e de suas obrigações.

Elas repartem as preocupações e nadam, elas partilham a rotina e mergulham, conectadas ao balanço da maré. Existe uma dinâmica marinha para batizar as recordações. Pois tudo o que é dividido será lembrado - o confidente é a sua nuvem, o seu esconderijo, o seu banco de emoções.

Uma é o bote salva-vidas da outra, apontou Lu.

Na faixa dos 40 anos, já se ajudaram a superar separações, a enfrentar dificuldades na criação dos filhos, a espantar doenças e aflições, a aceitar o luto de familiares, a perdoar a limitação de seus companheiros, que sequer entendem aquela conspiração feminina além da rebentação.

Eu não senti inveja, e sim uma profunda admiração. Elas contavam com testemunhas contra o esquecimento da pressa, contra a indiferença da solidão.

O quanto é arrebatador viver assim, com amizades sinceras, espontâneas, definitivas. O quanto dependemos de alguém que legitime as nossas dores e vibre com as nossas alegrias. Não somos ilhas. Somos arquipélagos.

Lu boiava tranquila enquanto Mylene e Carol seguravam seu dorso. O rosto sereno, os olhos fechados, demonstravam que ela confiava incondicionalmente nas duas. Ao lado delas, tinha certeza de que jamais afundaria, jamais se afogaria. Que poderia flutuar recebendo as carícias da luz. Que se manteria lúcida e saudável na superfície dos pensamentos.

Boiar é ter o colo do mar. O colo dos amigos. _

CARPINEJAR

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