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Vitória de Pirro
Quando o Rei Pirro da Macedônia venceu a Batalha de Ásculo e foi parabenizado pelo difícil triunfo, respondeu: "Mais uma vitória como esta e estou perdido". Surgia a expressão "vitória de Pirro". E o que acontece nos bastidores do Congresso Nacional pode seguir o mesmo rumo.
Um grupo de deputados quer reduzir o período de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) de oito para dois anos, permitindo, entre outras consequências, a candidatura do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2026. Difícil crer que tal medida será chancelada. No entanto, o projeto já conta com apoio de mais de 70 parlamentares.
A Ficha Limpa é um marco no combate aos ilícitos eleitorais, sendo vergonhoso cogitar a referida alteração. Ora, eleições ocorrem de quatro em quatro anos, logo, os efeitos da referida lei seriam ineficazes.
Pois bem, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) inquérito que apura tentativa de golpe de Estado no qual figura como indiciado o ex-presidente Bolsonaro. Eventual denúncia será apresentada perante a própria Corte, que atuará como única instância. Qualquer decisão condenatória, conforme o Artigo 15 da Constituição Federal, levará à suspensão dos direitos políticos dos réus durante toda a pena aplicada que, pelo andar da carruagem, não será pequena.
Aos baderneiros do 8 de janeiro, por exemplo, estão sendo impingidas penas altíssimas e especula-se que articuladores e organizadores dos atos sofram penas ainda maiores. Assim, com o trânsito em julgado, automaticamente seriam suspensas as garantias políticas.
Tal imputação constrói restrições muito mais pesadas do que a inelegibilidade, pois atinge a capacidade eleitoral passiva, a garantia de votar e o direito de participação na vida política. Ou seja, uma autêntica vitória de Pirro: se a Lei da Ficha Limpa for alterada e os réus ficarem inelegíveis por apenas dois anos, mesmo assim teriam seus direitos políticos suspensos caso sejam denunciados e condenados com penas que ultrapassem 2026 no inquérito que investiga a tentativa de golpe. _
Marcelo Veiga Beckhausen - Procurador regional da República
do Ministério Público Federal (MPF), professor da Unisinos e doutor em direito
Temos presos de mais ou médicos de menos?
O filósofo alemão Immanuel Kant ensina que "não enxergamos a realidade tal como ela é, mas sim conforme os filtros da nossa percepção. Nossa compreensão do mundo não é um reflexo puro dos fatos, mas o resultado de como organizamos e interpretamos as informações ao nosso redor". Você já deve ter ouvido, em diversas ocasiões, que temos presos de mais no Brasil. E que o superencarceramento seria uma das causas do aumento da violência nas grandes cidades.
Você provavelmente também já ouviu que a crise na saúde pública do Brasil decorre da falta de médicos. E que, para resolver o problema, teríamos que formar cada vez mais profissionais, mesmo que isso signifique, em algum momento, abrir mão da qualidade em nome da quantidade. Interessante.
E se eu disser que a diferença entre a população carcerária e o número de médicos no Rio Grande do Sul não lotaria a maior parte dos auditórios onde semestralmente se formam centenas de novos profissionais? Segundo dados de 2024, o Estado tem 45,7 mil detentos. E mais de 40 mil médicos. No entanto, a percepção é de que temos muitos presos e poucos médicos.
Sem entrar no mérito de avaliar se estamos, como sociedade, prendendo demais, já que não tenho conhecimento para tal conclusão, afirmo com convicção que, definitivamente, não temos médicos de menos. O que precisamos é de mais investimento na formação médica. Melhor planejamento dos gestores públicos. E melhor prevenção no saneamento e na atenção básica.
Formar melhores profissionais é não apenas necessário pelo viés da boa prática da medicina, mas também economicamente melhor para o país, já que um profissional mais capacitado é capaz de diagnósticos mais precisos, que provocam menos retrabalho e exames desnecessários.
Ao resolver essa equação, prestando melhor serviço de saúde à população, vamos descobrir que isso pode resultar em um efeito colateral surpreendente: a redução da massa carcerária, pois onde a presença do Estado leva a dignidade por uma porta, a violência sai pela outra.
Ah... A resposta para a pergunta que inspirou este artigo? É uma questão de percepção. Qual é a sua? _
Eduardo Neubarth Trindade - Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) - a e doutor em medicina
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