segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025



17 de Fevereiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Marcos Troyjo - Secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia entre 2019 e 2020

"Trumpulência chacoalha a ordem mundial"

Marcos Troyjo se envolveu na negociação da tarifa de 25% sobre aço e alumínio aplicada no primeiro mandato de Donald Trump. Depois, atuou como presidente do New Development Bank (NDB, o chamado "banco dos Brics"). Antes, foi codiretor do BRICLab, fórum especial sobre Brasil, Rússia, Índia e China da School of International and Public Affairs da Columbia University (2011-2018), onde deu aula sobre relações internacionais. No início de abril, estará em Porto Alegre para o Fórum da Liberdade, quando detalhará sua reavaliação da nova ordem mundial.

Com seus conhecimento e experiência, já entendeu onde Trump quer chegar?

É a situação aquela no avião, quando o comandante pede, pelo sistema de som, que os passageiros retornem a seus assentos, fechem as mesas, coloquem o encosto na posição vertical e afivelem os cintos, porque ?estamos passando por uma área de...?

Turbulência?

?Trumpulência?. Um conceito é de turbulência, porque chacoalha comércio internacional, fluxo de investimentos, ordem mundial. Outro é de opulência, no sentido da riqueza. É a economia que tem US$ 30 trilhões de PIB nominal, nove das 10 maiores empresas em valor de mercado do mundo são americanas. Todo o valor das empresas negociadas na bolsa de Frankfurt é menor do que uma das big techs, como Nvidia, Microsoft ou Apple. Alguns anos atrás, a diferença para a China caía, agora voltou a aumentar. Trump quer que os EUA voltem a ser potência na indústria manufatureira. E avalia que o sistema de comércio internacional que os EUA ajudaram a construir durante décadas fez com que outras potências ascendessem, na visão de Trump em prejuízo aos EUA.

Quais são os efeitos?

Questionamento do sistema multilateral, do mecanismo de solução de controvérsias da OMC (Organização Mundial do Comércio). Desmultilateraliza o mundo e privilegia o fluxo bilateral. Agora, vale a relação EUA e México, EUA e China, EUA e Brasil. Trump entende que, ao privilegiar o formato bilateral, os EUA ficam mais fortes, faz com que o presidente possa transmitir sensação de vitória. Muitos economistas não veem déficit comercial como problema, Trump tem uma visão que poderia ser chamada de mais simples, de que déficit comercial pode ser problema. Também há peso do que ocorreu durante a primeira presidência dele.

Leva para onde quer chegar?

Trump não parece ser estratégico, é mais tático. Valoriza vitórias de dias, semanas. Está focado em promover um choque de competitividade interno. Observando os primeiros dias, vai ser uma característica dos 12 primeiros meses. É uma brutal, dramática, desregulação, desburocratização, cortes de gastos e corte de impostos.

Voltar a ser potência manufatureira faz sentido na era da economia digital?

Peter Thiel, um dos líderes do ecossistema do Vale do Silício e um dos primeiros a embarcar no projeto de Trump, tanto em 2016 quanto em 2024, tem uma frase de referência, que é ?take Trump seriously but not literally? (leve Trump a sério, mas não literalmente). O presidente fala para o americano de Ohio, Indiana, Pensilvânia, Estados que foram a espinha dorsal do poderio americano. Se ele mantém o discurso e conquista vitórias pontuais, ainda que não mude a fatia do PIB representada por manufatura tradicional, significa que está entregando o que prometeu. Com a economia digital, Trump vive quase que uma coalizão, a pax trumpiana digital. Os grandes caciques, com exceção de Bill Gates, estavam na posse.

Ao minar parcerias, Trump pode reforçar a China?

A Trumpulência não afeta só a relação entre EUA e China. Convida a outras geometrias de comércio. Europeus e chineses voltam a conversar. Africanos, que ficaram meio pendulares, olham os investimentos de longo prazo dos chineses. Mesmo países com contencioso muito pesado com a China, como Austrália e Japão, começam a recolocar o cabo na tomada. Os chineses precisam desempenhar um papel de muita frieza e estratégia, porque também não querem ver a relação com os EUA esfriar. Fala-se muito no déficit americano com a China. Mas não se leva em conta que a Walmart monta um centro de produção de embalagem plástica na China, com razão social chinesa e capital social americano, para ter custos mais baixos. Parece uma exportação chinesa, mas é comércio intrafirma.

?Há risco, então?

A principal vitória americana na Guerra Fria foi o cisma sino-soviético. Criou rachadura entre as duas principais forças comunistas. Agora, a política de Trump empurra para uma aproximação entre China e Rússia. Talvez o mais interessante para os EUA seja não tomar atitudes e ações que aproximem essas duas forças.

Vai ser bom para os EUA?

Essa política americana talvez tenha algum efeito de reindustrialização, mas é potencialmente muito inflacionária. O novo presidente dos EUA quer que as indústrias voltem a produzir em território americano, mas exige esforço de caixa. E não só recursos, mas investimentos no Exterior que ainda não maturaram elevam o custo. Depois, será preciso empregar mão de obra mais cara. Como o inimigo do meu inimigo é meu amigo, pode forçar acordos como voltou a ocorrer com o livre- comércio entre União Europeia e Mercosul, que foi anunciado às pressas em dezembro.

Como o Brasil deve reagir?

Tentar minimizar danos e maximizar proveitos. Na corrida de Fórmula 1, se chove é preciso ver se temos os pneus certos, se a equipe de troca está preparada. Pode haver um rearranjo das cadeias de valor. Onde haverá investimento? Na Índia, que tem carga de 18% do PIB. na Arábia Saudita, que tem 12% ou no Brasil, com 35%? Vamos disputar uma corrida em que estamos muito pesados. É um convite para o Brasil ir a um spa, fazer as reformas de que precisa.

A aparente cautela adotada no Brasil é adequada?

Em 1982, fui estudante de intercâmbio nos EUA, e desde então estou lá todos os anos, depois atuei como diplomata. Então, conheço bastante, e não consigo lembrar de uma relação tão distante com o Brasil quanto agora.Os países estão em momentos opostos. Lá, há busca por desregulação, desburocratização, eficiência e redução de impostos. Aqui, há desprofissionalização da atividade pública, burocratização e aumento da carga tributária. Não há canais de comunicação para conversar nos bastidores ou fazer valer pontos de vista em fóruns internacionais.

?Como foi a negociação no primeiro mandato de Trump?

Tínhamos canais abertos, então não machucou muito o setor. Os americanos sempre foram transacionais. A gente quer algo, eles dizem ?se a gente fizer aqui, vocês fazem algo ali também?. Foi assim com a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Para retirarem o veto, tivemos de abdicar de uma posição na OMC. Como fundos passaram a privilegiar países que adotam regras da OCDE, não havia opção. A ministra Tereza Cristina (da Agricultura), o ministro (Paulo) Guedes (da Economia) ajudaram muito. _

GPS DA ECONOMIA

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