Você já aprendeu a arte de escutar bonito?
Pessoas com redes de apoio tendem a ter mais saúde que aquelas que se sentem isoladas
"Não tenho com quem conversar. Ninguém tem paciência para me escutar. Eu me sinto invisível, descartável, inútil."
Essa é a frase que eu mais escuto das pessoas de mais idade que venho pesquisando nos últimos 30 anos. Poderia dar centenas de exemplos, mas vou citar apenas o de Regina, uma escritora de 93 anos.
"Minhas filhas e meus netos estão completamente hipnotizados pelo celular. Minhas melhores amigas e meu marido já morreram. Não tenho mais com quem conversar, ninguém me escuta, ninguém me enxerga, ninguém tem interesse pelas minhas histórias. Minhas filhas só me ligam para me criticar e me dar ordens, como se eu fosse uma criancinha ou uma inválida. Meus netos só aparecem quando estão precisando de dinheiro. São muito intolerantes, impacientes e egoístas, só olham para o próprio umbigo. Eu me sinto um peso, um estorvo nas vidas deles. Sou uma velha invisível, descartável e inútil."
Ela disse que seus dois cachorros e três gatos são seus únicos amigos.
"Eles são meus bebês, são os únicos que estão sempre juntos comigo nos momentos de tristeza. Eles entendem o que estou sentindo e me dão o carinho que preciso, até mesmo quando estou doente. É o maior amor do mundo."
Inúmeros estudos comprovam o que tenho encontrado na minha pesquisa sobre "Envelhecimento, Autonomia e Felicidade": pessoas com redes de apoio tendem a ter mais saúde do que aquelas que se sentem isoladas e solitárias. Existem evidências de que pessoas com fortes relações sociais apresentam menor risco de desenvolver Alzheimer e outras formas de demência. As amizades saudáveis podem exercer influência sobre o sistema imunológico e até sobre a possibilidade de evitar doenças cardíacas.
Ilustração de Claudia Liz para coluna de Mirian Goldenberg, apresenta uma ilustração colorida com uma mulher de cabelo rosa e olhos grandes, olhando para os animais. Há um gato cinza saltando, um gato branco com uma fita rosa, um gato preto com uma coleira vermelho, um cachorro marrom sentado e um cachorro amarelo em pé. O fundo é de uma cor verde suave e há linhas azuis ao redor da mulher, sugerindo que ela está falando ou chamando os animais.
Claudia Liz/Folhapress
Quanto mais as pessoas se sentem apoiadas pelas amizades, melhor é a saúde e menor a probabilidade de morrer cedo. A relação entre ter amigos e longevidade é tão forte que a Organização Mundial da Saúde criou uma Comissão sobre Conexões Sociais, consideradas uma prioridade de saúde global.
É muito difícil, especialmente na velhice, construir amizades significativas e saudáveis. Também é difícil evitar relações adoecidas e nos afastar de pessoas tóxicas, muitas vezes dentro da nossa própria casa, família e trabalho.
Desde março de 2015, converso diariamente com meus melhores amigos e amigas de mais de 90 anos. Não é à toa que minha amiga Gete, de 97 anos, me apelidou de "escutadora de velhinhos". Seu marido, Canella, de 98, concordou: "A Mirian só tem amigos velhos, só gosta de escutar e conversar com velhos. Na verdade, a Mirian tem 93 anos".
Meus melhores amigos e amigas estão partindo, e também estou tendo cada vez mais dificuldade de encontrar pessoas que queiram aprender "a arte de escutar bonito", como escreveu Rubem Alves.
"Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito. Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir. Os falantes que julgam que por sua fala bonita serão amados são uns tolos. Estão condenados à solidão. Quem só fala e não sabe ouvir é um chato... Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular."
Você também está precisando se matricular em um "curso de escutatória"?
Mirian Goldenberg
Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"
Nenhum comentário:
Postar um comentário