sábado, 22 de fevereiro de 2025


22 de Fevereiro de 2025
CARPINEJAR

Caminhos do desejo

Existe uma expressão urbanista para caracterizar aquela trilha aberta pela população nos parques e praças: caminhos do desejo. São atalhos feitos por dentro do gramado, contrariando o desenho do passeio público. Costumam servir para ganhar tempo e encurtar os passos.

Por mais que tenha a orientação clara das calçadas, o fluxo transgride e inventa um novo roteiro. De tanto ser percorrido, abre-se uma senda de terra batida. É possível visualizá-la de longe. Caminhos do desejo representam o que todos vivemos nas amizades.

Ainda que você dê um sábio conselho, alerte sobre os perigos, pese os prós e contras do dilema, certamente o amigo não seguirá suas palavras. Nada o fará se desviar da determinação dele em direção ao precipício.

Qualquer argumentação racional e serena não substitui o impacto da experiência pessoal. O sujeito precisa mesmo quebrar a cara e juntar os seus cacos em vitral para aprender a lição. Só a experiência ilumina a verdade. Só a experiência apura os ouvidos. Só a experiência catequiza.

Sua retórica bonita não convencerá ninguém, seus pareceres fundamentados encontrarão as paredes da obsessão. Você pode ter passado por uma situação semelhante, um sofrimento parecido, estar falando do lugar da ferida, e o amigo não acatará a sua versão dos fatos.

Acreditará que com ele será diferente, que contará com mais sorte do que você, desprezando estatísticas e evidências. É o que mais acontece nos nossos afetos: ser refutado, e continuar junto.

É uma falácia supor que os amigos pensam igual, sentem igual. O que mantém os laços é que eles nunca se separam, apesar das divergências latentes, apesar de quem se confidenciou nunca adotar a orientação confiável da parceria.

Irei ilustrar a provação com um exemplo comum.

O amigo amarga um relacionamento tóxico, um cativeiro emocional, é humilhado com frequência pelo seu par, constrangido a pedir licença para poder se manifestar, recebe gritos e depreciações em troca de uma atenção apaixonada e incondicional.

No primeiro término, ele solicita a sua opinião. Você diz para aproveitar a oportunidade de livramento, explica que a pessoa não o merece, que ele mudou para pior com a família e com o seu círculo de contatos mais próximo. Só falta soletrar: não volte!

Na semana seguinte, o amigo some porque realizou exatamente o oposto - estabeleceu a reconciliação. Resta conviver com o casal e permanecer disponível na retaguarda. Não tem como ficar ofendido, não tem como se afastar, não tem como se ver desvalorizado e ludibriado.

Os enganos do romance são maiores do que os acertos das amizades. Lealdade é aguentar o erro de quem você ama, suportar a mancada, penar lado a lado, e depois confortar como se fosse uma novidade, como se nada tivesse sido dito antes.

Jamais cutucar o orgulho com "eu avisei!". 

CARPINEJAR

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