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26 de Fevereiro de 2025
MÁRIO CORSO
Quarto bunker
Criança gosta de tocas. Com uma mesa e um lençol já faz a festa. Criam uma casa dentro da casa. Um lugar só seu, e mais seguro, pois protegem-se da onipresença do olhar familiar. Quando um adolescente tem a sorte de ganhar um quarto, atualiza o mesmo anseio. Cria um microcosmo seguro. Tenta fazer valer a sua lei no quesito organização. É um quarto ilha, cercado de pais por todos os lados.
Há permanentes litígios de fronteiras. Alguns adolescentes constroem trincheiras no quarto e na relação com os pais. Mas isso faz parte das querelas familiares pelo cuidado dos filhos.
O desafio da adolescência é conquistar um lugar entre seu pares, o amor da família ele já tem. É quando o poder dos pais enfraquece e a opinião de seus coetâneos cresce. Nesse momento, por mil motivos, pode acontecer um percalço: uma falha na socialização.
É sutil a mudança, o quarto vai virando bunker, sintoma da desconexão social. Segue sendo um refúgio, mas agora é também do mundo externo. Ele perdeu o trem que levou seus colegas e amigos.
A internet facilitou a vida dos reclusos. Eles trocam a socialização presencial pela virtual. Virtualidade é um problema quando não há outra troca social.
Se o jovem não sai de casa sozinho, não circula com amigos, sai do quarto só quando os outros não estão, come sozinho no quarto, dorme de dia e vara a madrugada no computador, é preciso acordar para o problema.
A desconexão pode tornar-se ativa, quando o sujeito desistiu do mundo real, não quer voltar. O recluso pensa desde a posição de filho eterno, não reconhece sua condição de sujeito artificial, onde não consegue fazer nada e é mantido por alguém. E ainda acha isso justo.
Ninguém alcança o exílio social sem cumplicidade. Atrás de um jovem recluso está uma família com medo da vida, mentindo-se que é apenas uma fase.
Aceitar o crescimento dos filhos é também vivenciar o abandono do ninho. Temem o filho à mercê do mundo, mas também temem serem vistos com olhos críticos e realistas por parte dele. O medo de sair é compartilhado.
Bagunçar o quarto, jogar roupas no chão, dar portadas para encerrar uma discussão é uma coisa. Desistir da vida para entrar na ilusão de auto-suficiência é outra. _
O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor
MÁRIO CORSO
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