terça-feira, 11 de fevereiro de 2025


11 de Fevereiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Como retaliar sem imitar Trump e mirar o próprio pé

O novo ensaio de guerra mundial comercial de Donald Trump acentua os alertas de especialistas de que a reação do Brasil precisa ser inteligente e cautelosa para não agravar os impactos impostos ao país. Como o presidente dos Estados Unidos ignora toda a legislação sobre comércio internacional, o mundo corre o risco de entrar em território de vale-tudo, com efeitos totais ainda imprevisíveis.

De forma correta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avisou cedo, ontem, quando já havia especulações sobre medidas retaliatórias: - Vamos aguardar a orientação do presidente da República depois das medidas efetivamente implementadas.

Conforme o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, a retaliação comercial não deve ser focada em "vingança econômica", mas usada como ferramenta de negociação futura:

O objetivo é forçar o outro país a retirar medidas prejudiciais ou a voltar à mesa para um compromisso razoável.

O motivo é simples: assim como a imposição de tarifas por Trump pode ser um "tiro de canhão no pé", como descreveu o ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur, retaliar na mesma moeda pode ter... o mesmo efeito. Ou seja, se a adoção de tarifas pelo atual presidente aumenta a inflação americana, replicar a estratégia pode fazer os preços subirem no mercado interno.

Cuidado para não inflacionar

Em estudo, Barral sugere três pontos da estratégia de reação à guerra comercial de Trump (veja ao lado). Com base nesses princípios, Barral avalia que o Brasil poderia mirar soja, carne e laticínio. Isso afetaria os Estados do meio-oeste americano. Outra alternativa seria explorar as indústrias americanas que dependem de exportações, como a aeroespacial, de bourbon (o whiskey americano) e produtos de luxo. Essa estratégia foi adotada pela União Europeia no primeiro mandato de Trump: ameaçou taxar as motos Harley Davidson, os jeans da Levi?s e... bourbon.

Uma opção seria elevar as tarifas de exportação de minerais dos quais os EUA dependem, como lítio e as chamadas "terras raras", cruciais para a indústria de tecnologia - como a China fez com tungstênio, telúrio, bismuto ou molibdênio.

- Taxar exportações desses produtos pode apertar as cadeias de suprimento americanas sem acionar o gatilho para a inflação doméstica - reforça Barral. _

E o dólar?

A cotação até abriu em alta, ontem, depois do anúncio extraoficial de taxação do aço, mas como a sessão fechou antes da oficialização, o mercado pagou para ver. O dólar acabou encerrando quase estável, com oscilação para baixo de 0,13%, a R$ 5,785. Nem a ameaça que pode reduzir a entrada de divisas no Brasil levou de volta ao R$ 5,80.

Mercado acentua previsão de desaceleração da economia

Uma perspectiva de desaceleração da economia alimentou o debate, no mercado financeiro, se o Banco Central (BC) comandado por Gabriel Galípolo seria "falcão" ou "pomba". No primeiro Relatório Focus apresentado depois da publicação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o "consenso do mercado" - projeção da maioria entre a cerca de uma centena de economistas consultados - encolheu a previsão de crescimento do PIB neste ano.

Até a semana passada, a projeção de expansão da atividade econômica era de 2,06%. No relatório distribuído ontem, recuou para 2,03%. É pouco? Sim, é pouco. Mas considerando que o mercado já havia elevado essa previsão, semanas atrás, é algo.

Para esclarecer: não se trata de "torcer contra" o crescimento econômico.

O ponto é que o BC está aplicando um choque de juro com objetivo, exatamente, de moderar a expansão da atividade.

Se os indicadores se comportam como o esperado, o choque pode ser mais limitado. Se não, existe o risco de que seja ampliado. E no mesmo relatório, a maioria elevou a projeção do IPCA para 2025, de 5,51% para 5,58%.

O aumento do juro é a única ferramenta que o BC tem para frear a inflação. O governo Lula chegou a discutir medidas para tentar frear preços, mas a essa altura deve ter se convencido de que tem pouco a fazer de forma efetiva.

Caso a aplicação de tarifa de 25% sobre aço e alumínio seja confirmada, existe risco de nova alta do dólar, o que pressiona a inflação. Ter no cenário uma mera desaceleração, com tantos riscos no horizonte, pode ser a melhor perspectiva para a economia brasileira. _

Estrago para o Brasil tem tamanho para afetar câmbio

Donald Trump cumpriu a ameaça: o Brasil vai enfrentar tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio. Isso significa que, para entrar nos Estados Unidos, o preço desses produtos será acrescido de 25%.

O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA. No ano passado, o valor das vendas desse produto para empresas americanas somou US$ 6,1 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões). E já havia caído em relação ao recorde alcançado em 2022, de R$ 7,45 bilhões.

Quase metade das exportações brasileiras de aço (48%) tiveram os EUA como destino. No caso do alumínio, tanto o valor (US$ 270 milhões) quanto o percentual (16%) são muito menores. Mas somados, totalizam US$ 6,37 bilhões em ingressos de divisas no Brasil que ficam sob risco.

A redução no ingresso de dólares resultante da efetiva aplicação da medida pode significar menos entrada de dólares no Brasil, com possível desvalorização do real.

Empresas que exportam aço e alumínio para os EUA podem ter receita reduzida. Caso isso ocorra - o que depende de possíveis negociações -, especialmente nesse momento de sobe e desce do câmbio, perderiam ao menos parte de seu hedge natural. Exportadores têm na receita em moeda americana uma "garantia" contra a variação do dólar com vendas na moeda americana.

E o impacto no setor siderúrgico pode ser ainda maior, porque o Brasil já enfrenta forte entrada de aço chinês. Mesmo com a adoção de medidas de salvaguarda pelo governo federal, os relatos das empresas são de que a iniciativa ainda não teria sido suficiente. Esse é o temor da Gerdau, maior produtora brasileira de aço, que também tem fábricas nos EUA. Ao comentar o potencial de problemas no dia em que foi confirmada a vitória de Trump, em novembro passado, o CEO da siderúrgica, Gustavo Werneck, afirmou:

- Se fecha mais nos EUA, é muito provável que mais aço venha ao Brasil. 

GPS DA ECONOMIA

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