07
de abril de 2013 | N° 17395QUASE PERFEITO |
Fabrício
Carpinejar
O acaso facilita o amor, mas não
decide
Nosso primeiro encontro foi num café. Mas não
aceitamos mentiras.
O
café era eufemismo de pina colada e uísque. Trocamos a cafeteria pelo bar da
frente.
O
garçom não captou a mudança de humor. Atravessamos a rua já de mãos dadas.
Antes mesmo de sentar, antes mesmo de conversar, nos beijamos na escadaria. Um
beijo longo como se fosse o corrimão da rua inteira.
Jamais
beijei uma estranha sem palavras. Jamais beijei assim, com o beijo sendo a
própria palavra. A realidade nos favorecia. A realidade nos apressava. A
realidade nos queria próximos.
Uma
série de sortilégios se acumulou em nossos ombros.
Você
se apresentou como marinheira. Minha ex-esposa tinha uma marinheira tatuada na
perna e sempre brincava que só a largaria para ficar com a marinheira. A
marinheira era exatamente o desenho de seu rosto.
Você
tremia, eu ria. Tremer é rir silencioso.
Nossa
pele concordava com o toque. A intimidade sabotava as perguntas.
Dei
meu anel de caveira. Entortei o ferro em forma de coração. Você colocou na
carteira. Fui mexer em sua identidade. Não se olha bolsa de mulher, muito menos
a carteira. Não sei o que passou pela minha cabeça, mas mexi, invadi e achei um
bloco com sua letra. Nele, descrevia profecias de uma cartomante que visitou há
três semanas. Pretendia conferir os presságios, por isso anotou, por isso
guardou entre os documentos.
Afora
doenças e preocupações com a saúde dos familiares, ela me retratava
perfeitamente: alto, claro, careca, com filha adulta, tatuagens e acessórios,
estável financeiramente, e com uma mão diferente da outra (as unhas pintadas),
que seria o homem de sua maturidade, que você iria casar e morar junto.
Eu
via o futuro antes mesmo do presente. Novamente o beijo antes das palavras.
Naquela
semana, escrevi crônicas usando cartas de tarô. E antecipava que amaria uma
Sacerdotisa e me nomeava como o Louco. Como que pode tamanha sincronia?
As
últimas horas pareciam pressentimentos de nossas vidas entrelaçadas.
Tudo
tudo gerava sentido para nossa união. Minha mania de segurar os potes pelas
tampas, sua mania de respirar pela boca, minha mania de colocar os travesseiros
por debaixo dos lençóis, sua mania de gritar para espantar os mosquitos como se
eles escutassem, minha coleção de pinóquios, sua coleção de ovelhas.
Falamos
de Pink Floyd, que você e eu ouvíamos na adolescência, banda que mais abalou
nossas convicções. Não é que o quarteto do pub encerra sua apresentação tocando
Dark Side of the Moon.
Nossa
estreia surgia antiga, inverossímil, ensaiada.
Contei
que dividia o destino amoroso em três telefones: o preto, o vermelho e o
amarelo. O preto é quando forçamos o amor pela carência. O vermelho é quando o
amor é agradável e fingimos urgência. O amarelo é a linha que todos temem:
quando toca, é o amor raro, louco, acima de nossas vontades.
Na
manhã seguinte, depois de não dormir, mandei rosas e lírios amarelos para seu
trabalho, com um bilhete: Atenda!.
Nosso
primeiro encontro foi sublime.
Mas
as coincidências nunca serão nada sem a coragem. A trama de acasos nos ajudando
nunca fará diferença sem a coragem. Os avisos dos astros nunca serão
contundentes sem a coragem.
Sem
a coragem, não existiremos.
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