06
de abril de 2013 | N° 17394
CLÁUDIA
LAITANO
Não sabendo que era impossível, foi lá
e fez
Je
Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, foi o último filme a ser censurado no
Brasil antes da redemocratização. A censura já andava em desuso em 1985, mas
Sarney, que não era assim tão fanático por democracia, acabou cedendo à pressão
da Igreja e proibiu a exibição no país do filme que mostra Maria de uma forma não
muito católica.
No
ano seguinte, viajei para os Estados Unidos para estudar e trabalhar, e o
primeiro filme a que quis assistir no cinema, claro, foi o proibidão do Godard.
Na frente do cinema, em San Francisco como em outras cidades do mundo, havia
uma pequena manifestação de católicos protestando contra a exibição do filme. Menos
do que o protesto em si, o que me chamou a atenção foi o modelo da manifestação:
um grupo muito ordeiro de pessoas portando cartazes e andando em círculos,
praticamente em silêncio.
Minha
experiência com manifestações públicas não era grandes coisas, mas aquela ali
era diferente de tudo o que eu já tinha visto. Da perspectiva de uma
brasileira, manifestantes silenciosos e organizados pareciam contradizer a própria
ideia de protesto, que deveria ser barulhento, apaixonadamente engajado,
emocionante.
Nos
meses seguintes, assisti a várias manifestações naqueles moldes em San
Francisco, e pelas mais diferentes causas – de prosaicas questões locais aos
grandes debates da política internacional da época. E aquilo acabou me
ensinando mais sobre a democracia americana do que qualquer coisa que eu tenha
lido a respeito antes ou depois.
Passeatas
silenciosas e organizadas não combinam muito com o nosso temperamento e talvez
sejam o produto de anos de prática e exercício da cidadania fora dos dias de
eleição (que nos EUA nem sequer é direta ou obrigatória). Mesmo não tendo
chegado a esse estágio fleumático da democracia, é preciso celebrar cada
oportunidade em que o debate de temas de interesse coletivo sai da mesa do bar
ou da rede social para fazer-se ouvir na arena pública.
Brasileiros
são excepcionais na solidariedade no varejo, na mobilização para ajudar vítimas
de grandes tragédias ou o vizinho que está com problemas, mas ainda são lentos
na hora de se unir em torno de causas comuns. Exemplos como as passeatas pelas
Diretas Já (derrotadas) ou as manifestações pelo impeachment de Collor (vitoriosas)
são tão poucos, que foram parar nos livros de História.
Esses
meninos que coloriram o centro da cidade nos últimos dias, com alguma algazarra
e muito idealismo, devem ser saudados não apenas porque conseguiram, afinal,
reverter o aumento das passagens de ônibus, mas porque levantaram do computador
e foram para a rua defender uma causa coletiva.
Isso
não deveria ser ameaça para ninguém. Pelo contrário. Deveria inspirar os mais
velhos a serem menos preguiçosos e a voltarem a acreditar que a política é importante
demais para ser feita apenas pelos políticos.
A
frase que dá título a esta coluna é atribuída ao escritor francês Jean Cocteau (1889-1963).
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