quinta-feira, 4 de abril de 2013



04 de abril de 2013 | N° 17392
LETICIA WIERZCHOWSKI

Viagens boas e ruins

Voltar do feriado de Páscoa pela BR-116 exige uma paciência quase celestial. De Pelotas a Porto Alegre, a estrada tem uma única faixa – a ampliação, que está começando, parece já chegar atrasada. Você espera, espera e espera, espera por horas num congestionamento horrível, e depois tem que pagar o pedágio. Não sou contra pedágios, sou contra estradas mal sinalizadas, estreitas e defasadas como a BR-116.

A gente lá, vencendo cada quilômetro de congestionamento com um suspiro, enquanto no acostamento as placas de sinalização mais parecem uma pegadinha: Porto Alegre, 170 km, e você anda 15 minutos para encontrar Porto Alegre ainda mais distante, pois a próxima placa indica a Capital a 186 km. Segundo a sinalização da BR-116, Porto Alegre parece ser um lugar cambiante, de mutável localização, como a antiga Avalon dos druidas.

De qualquer maneira, quem não está dirigindo sempre pode ler dentro do carro. É certo que a maioria das pessoas tem enjoo ao ler em movimento, mas, como a BR-116 não anda mesmo, o problema se anula, de modo que foi na companhia da escritora canadense Alice Munro (cujos contos eu li durante todo o feriado) que esqueci boa parte do imbróglio da BR.

Se você nunca leu Alice Munro, tem que ler. Jonathan Franzen em seu livro de ensaios Como Ficar Sozinho escreveu um longo e elogioso texto sobre Alice e sua obra (“Leia Alice Munro, leia Alice Munro!”, escreve Franzen).

E Alice Munro é realmente uma grande ficcionista, uma contista que narra suas histórias com maestria, penetrando na pele dos seus personagens com tamanha sutileza, revelando detalhe num tempo perfeito, guiando as palavras pelo seu caminho sem tropeços, nem gritos, nem desvios. No Brasil, Alice Munro tem publicadas as coletâneas Fugitiva e Felicidade Demais (Cia das Letras).

Em seu ensaio, Franzen se pergunta: uma ficção pode salvar o mundo? E ele mesmo responde: quase certamente não. “Mas há uma chance razoável”, diz Franzen, “de que a ficção possa salvar a nossa alma”.

Alice Munro fez mais do que salvar a minha fastidiosa volta do feriado, ela me levou para dentro de outras vidas, tão diferentes da minha e, no fundo, tão iguais. Porque Alice não é grandiloquente nem espalhafatosa, sua prosa fala manso e baixinho, e trata de entender essa coisa tão terrível e maravilhosa que é viver. Alice Munro sabe das coisas e não cobra pedágio pela viagem.

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