21 de maio de 2016 | N° 18531
DAVID COIMBRA
Ministério não tem de representar a população
A democracia confunde. Toda essa história de povo e liberdade, parece que tudo tem de ser popular, que tudo tem de ser livre. Por exemplo, a discussão sobre o ministério de Temer.
Um ministério não tem de ser representativo da população. O órgão que representa a população é o Congresso.
O Congresso brasileiro tem poucos negros e poucas mulheres. Talvez devesse ter mais. Mas não necessariamente deveria ter mais. Porque mulheres e negros podem, sim, sentir-se representados por um homem branco.
A premissa contrária é igualmente verdadeira: homens brancos podem se sentir representados por uma mulher negra. O ministério não precisa exercer esse papel.
Os ministros são executivos do presidente da República. São gerentes. O cargo do presidente é político, tem de ser político, mas os ministros deveriam ser conhecedores profundos das pastas que ocupam. Deveriam ser técnicos.
O que houve no Brasil foi uma distorção do sistema: o ministério sendo usado pelo Executivo como forma de garantir maioria no Legislativo. Como se chegou a esse ponto? Dando uma olhada no passado, pode-se entender.
A ditadura militar não precisava agradar aos políticos. Assim, os ministérios da ditadura eram de alto quilate. Havia homens como Mario Henrique Simonsen, Delfim Netto, Luís Fernando Cirne Lima, Pratini de Moraes, Roberto Campos, Golbery do Couto e Silva e Petrônio Portella, homens inteligentíssimos e sábios em seus campos de atuação. Mas uma ditadura, por melhor administração ou boa vontade que tenha, deseduca. Administrar sem a inconveniência da política é até produtivo, mas torna-se nocivo a longo prazo.
Sarney, que veio das entranhas do parlamento, aumentou o número de ministros para 25, e foi muito criticado por isso, principalmente pelo PT, que sempre se distinguiu pela acidez na oposição. Collor assumiu com o discurso de caçador de marajás e cortou uns 10 ministérios. E Itamar conseguiu montar um ministério de notáveis com a vigência da democracia. Lá estavam Jamil Haddad, Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Krause, Antônio Houaiss, Antônio Britto, Celso Amorim, Rubens Ricupero, entre outros.
Depois de Itamar, Fernando Henrique aparatou-se com 21 ministérios. Para os parâmetros de hoje, parece pouco, mas ele deu cargos por conveniência política. E por esse motivo também foi criticado pelo PT.
Até assumir, o PT estava certo, porque condenava tudo que estava errado. Quer dizer: o PT era o partido que dizia como as coisas deveriam ser feitas e apontava as falhas com muita propriedade. O PT defendia o que era ideal para o Brasil.
Nesse ponto da história você poderá constatar a importância do marketing. Com a crítica furiosa aos erros alheios, o PT construiu uma imagem de que fazia certo, ainda que jamais tivesse feito. Na hora de fazer, no entanto, não apenas cometeu os mesmos erros que criticava: cometeu muitos outros mais. Só que havia uma justificativa: a tal “governabilidade”. Se o PT não fizer essas coisas, não governa, diziam, e, entre os quem diziam, ninguém dizia mais do que Lula. E o PT foi cometendo seus pecados, e achando normal.
Com Lula, a lógica foi invertida: o presidente não se valia de um político para comandar um ministério; o presidente valia-se de um ministério para comandar um político. Ministérios foram criados para serem dados de presente aos partidos da base aliada. Lula chegou a 37, e Dilma, no paroxismo aliancista, estourou em 39.
Temer, em tudo morno, usou um morno critério para escolher seu ministério. Diminuiu o número de pastas, mas não muito. Tentou cercar-se de técnicos capazes, mas não tantos. Sua equipe econômica é ótima, vai conseguir estabilizar a economia. E, na Petrobras, dificilmente poderia haver melhor escolha do que a de Pedro Parente, sagaz administrador de crises. Mas também há opções políticas duvidosas, como Romero Jucá, investigado na Lava-Jato.
Nomear um ministro porque ele tem votos no Congresso é um rotundo equívoco. Tanto quanto nomear um ministro por ele representar gênero ou raça ou seja o que for, além da competência. O ministro tem de executar a política do governo para a sua área. Tem de saber fazer. O ministério pode ser todo ele formado por homens brancos ou todo ele formado por mulheres negras, ou por cafuzos ou índios ou mamelucos ou anões ou japoneses. Tanto faz. O ministério só tem de trabalhar bem.
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