Editorial do Estadão: Mentiras até o último minuto
No mesmo modo que Collor traiu os que confiaram nele, é Dilma quem trai os milhões de eleitores que acreditaram em suas promessas de prosperidade e bem-estar social
Fiel seguidora de uma ideologia que faz da mentira descarada e
renitente um meio “legítimo” para atingir os fins, Dilma Rousseff
manteve-se coerente até o seu afastamento temporário da presidência:
continuou a agredir a inteligência dos homens de bem do país,
oferecendo-lhes uma versão delinquente dos fatos, com o objetivo de
passar à história como pobre vítima de uma tramoia golpista. Felizmente,
tal versão só encontra guarida entre aqueles militantes sectários do
lulopetismo ou os que estão desesperados ante a perspectiva de perderem
sua boquinha – uma minoria insignificante. A maioria da população do
país que trabalha e está cansada da malandragem retórica dos petistas
quer apenas seguir adiante, deixando para trás o caos criado pelas
fantasias do chefão Lula e de sua patética pupila.
No pronunciamento que fez ontem no Palácio do Planalto, Dilma tornou a
invocar os 54 milhões de votos que recebeu, como se estes, por si,
fossem a garantia absoluta daquilo que chama de sua “legitimidade”.
Segundo a petista, Michel Temer, que assumiu a presidência
interinamente, fará o “governo dos sem-voto”.
Trata-se de grosso embuste. Temer foi companheiro de chapa de Dilma
nas eleições de 2010 e 2014, sendo decisivo em ambas as campanhas ao pôr
em funcionamento a formidável máquina eleitoral do PMDB para obter os
votos que deram a vitória à petista – os mesmos votos que ela diz que
são só dela. Mas Dilma foi adiante e disse que um governo Temer “não
terá legitimidade para propor e implementar soluções para os desafios do
Brasil”. Tal conclusão, proferida por uma chefe de governo que não
consegue o apoio nem de um terço do Congresso e que enfrentou
manifestações de rua em razão de sua incapacidade política e
administrativa, soa como escárnio.
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Como se fosse uma líder democrata lutando contra uma tirania, Dilma
incitou seus defensores a se mobilizarem nas ruas e insinuou que o
governo Temer “pode se ver tentado a reprimir os que protestam contra
ele”. Eis aí mais uma fraude típica do cardápio de artimanhas petistas.
Em primeiro lugar, é dever das autoridades de segurança pública conter
manifestações de rua que ferirem o direito de quem delas não participa,
conforme o que prevê a lei. Em segundo lugar, um governo Temer não teria
como reprimir nada, pois a manutenção da segurança pública é tarefa dos
governos estaduais. Mas nada disso interessa. O que importa aos
petistas, como sempre, é criar tumulto e com isso alimentar sua
propaganda.
Dilma disse também que seu governo foi alvo de “incessante sabotagem”
dos opositores, a quem responsabiliza pela criação de um “estado
permanente de instabilidade política, impedindo a recuperação da
economia com um único objetivo: tomar à força o que não conquistaram nas
urnas”. Dilma quer fazer acreditar que a corrupção entranhada na
administração pública, os dois anos de recessão, o desemprego que atinge
mais de 10 milhões de trabalhadores, a alta da inflação, a perda de
credibilidade internacional e o rombo nas contas públicas não são
resultado de sua inépcia, mas de uma conspirata da oposição para
derrubá-la.
Por fim, Dilma, a exemplo do que fizera Fernando Collor de Mello
quando sofreu impeachment, em 1992, queixou-se da “dor da traição”,
referindo-se, é claro, a Temer. Collor creditou seu afastamento a um
“complô” dos deputados que antes o apoiavam, e não ao formidável
escândalo de corrupção que protagonizou. Do mesmo modo, Dilma entende
que está sendo afastada não pela série de crimes de responsabilidade que
cometeu – e aqui nem se está falando da rombuda corrupção em seu
governo e em seu partido –, mas sim porque seu vice tramou para tomar
dela o poder.
No entanto, do mesmo modo que Collor traiu os que confiaram a ele a
honra de ser o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois do
regime militar, é Dilma quem trai os milhões de eleitores que
acreditaram em suas promessas de prosperidade e bem-estar social. O
impeachment, portanto, é e continuará a ser a punição adequada para quem
fez da irresponsabilidade e da burla um método de governo.
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