quinta-feira, 26 de maio de 2016



26 de maio de 2016 | N° 18535 
DAVID COIMBRA

Uma delícia de seminário

Dia desses, tive de responder a uma espécie de questionário pela internet. Não queria fazer aquilo, mas tinha de. Fiquei uma hora clicando no mouse, sentindo a pastosa monotonia me entorpecer os músculos e o cérebro. Uma hora inteira. Sessenta minutos.

Fiquei pensando em todas as coisas sem sentido que já fiz na vida. É um pensamento antigo que tenho. Quando fiz minha primeira carteira de identidade, pensei muito nisso. Lembro bem daquele dia d’antanho, época da juventude e da apóstrofe. Gastei horas sentado lá num lugar em que se faziam carteiras de identidade. Devia ter levado algum livro, mas não. Apenas continuei lá, parado, olhando para uma sujeirinha na parede.

Assim foram todos os seminários a que me obrigaram a ir. Aí está uma palavra terrível, seminário. Uma vez, um grupo neofeminista tentou mudar essa palavra porque, segundo elas, é machista, já que seminário vem de sêmen. Elas relacionaram o sêmen com o esperma, que é um produto exclusivamente masculino, digamos assim. Trata-se de um equívoco, tanto quanto o caso da horrenda palavra presidenta. O “sêmen” do “esperma”, como o do “seminário”, vem de “semente”, não do que elas imaginam. Aliás, esperma se origina do grego sperma, e também quer dizer semente. Ou seja: nem que fosse esperminário seria algo machista.

O sêmen do seminário é exatamente isso: semente de conhecimento etc. Você vai a um seminário e aprende coisas. Ou devia. Eu nunca aprendi. Eu sempre me aborreci em seminários. Odeio seminários.

O problema é que, volta e meia, as pessoas querem que você vá a seminários ou preencha formulários ou reconheça assinaturas ou ouça a opinião abalizada delas sobre o Brasil ou, o horror!, elas chegam de manhã e começam:

– Nessa noite eu tive um sonho estranho. Eu estava num lugar, mas não estava ao mesmo tempo, era eu e não era, entende?

E você fica fazendo de conta que está prestando atenção.

Agora reflita: nosso período de validade debaixo do sol é parco. Segundo o Gênesis, o homem que viveu mais foi Matusalém: 969 anos. Porém, aquele era um mundo de pecados, totalmente diferente do de hoje. Aí Deus se arrependeu de ter criado o homem, mandou o dilúvio se derramar sobre a Terra e só permitiu que sobrevivessem o neto de Matusalém, Noé, e sua família. Por fim, para não arriscar, Deus resolveu limitar o tempo de vida humana em 120 anos.

Certo.

Só que é difícil chegar a essa marca. Na semana passada, morreu a pessoa mais velha do mundo, uma senhorinha aqui de Nova York que tinha 116 anos. O que de forma alguma pode ser considerado regra. Vamos colocar a média em 75 anos. Desses, um terço nós dormimos. Sobram 50. Quanto dessa breve temporada nos tomam, obrigando-nos a preencher formulários e a assistir a seminários? O tempo que perdi nessas chatices, quem vai me devolver?

Não adianta ficar em busca do tempo perdido. Ele não será encontrado.

Aliás, sobre Em Busca do Tempo Perdido, vou contar algo que escandalizaria o Tatata, se ele estivesse vivo: não li os sete volumes. Larguei no meio. Toda aquela vagarosa divagação do Proust começou a me inquietar e achei que estava... perdendo tempo.

Não é o único clássico que me falta. E aí está outra palavra que pode despertar preconceitos politicamente corretos. Clássico era o que os antigos romanos diziam do que pertencia à classe alta, aos patrícios, que eram os “pais da pátria”. Não tinha conotação pejorativa, nos primeiros tempos – os plebeus admiravam os patrícios. Mas depois quiseram emulá-los, passaram a exigir equiparação e... bem, é história comprida, vou deixar para outras colunas. Agora, não tenho tempo a perder. Vou abrir ali uma Blue Moon geladinha.

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