18 de maio de 2016 | N° 18528
PAULO GERMANO
O amor de verdade
Um amigo chorando, que coisa angustiante. E não era muito consolador o que eu tinha para falar. Dizem que sou meio duro para essas coisas do coração, que meus pitacos sobre amor às vezes machucam, então continuei quieto.
Mas, em resumo, queria dizer-lhe o seguinte:
Quando um namoro ou casamento termina, e você sofre e chora e protesta porque lhe arrancaram as certezas, porque lhe devastaram a autoestima, porque lhe mostraram uma face horrenda que você não conhecia, quando isso ocorre a culpa é sua. Chato dizer isso, mas é assim que é. E quem me mostrou não foi Freud nem Bauman, perdão por frustrá-los: foi a minha mãe.
– As pessoas dão pistas – ela sempre dizia. – Dão sinais o tempo todo.
A primeira vez em que ouvi isso, credo, meu semblante lembrava o daquelas tias que entopem os beiços e a cara toda de botox e acabam inchadas feito um sapo-boi. Eu tinha varado a noite em pranto porque uma namorada me dera um pé. Tudo o que essa namorada fez, todo o mal que me causou, toda a deslealdade que me abalou, enfim, ela me dera pistas de que poderia agir assim.
Todo mundo dá pistas.
São sutilezas do dia a dia, o jeito como a pessoa fala e planeja a própria vida, o jeito como se relaciona com a família e acorda ao seu lado, o jeito como trata você e trata seus amigos, o jeito de encarar o trabalho e lidar com o ciúme, o jeito de se comportar na sua presença e na presença dos outros. As pessoas dão sinais o tempo todo, mas você pode lê-los ou não.
Em geral, é mais confortável ignorar os sinais ou encará-los como casualidades de pouca importância. Tudo bem, é uma opção sua. Mas, se mais tarde suas certezas desmoronarem, ou se uma face horrenda daquela pessoa brotar de súbito à sua frente, bem, talvez você tenha se enganado mais do que ela o enganou. Talvez a culpa, sei que é duro, mas talvez a culpa seja sua.
Por isso, não existe essa balela de amor à primeira vista, um eufemismo romanesco para qualquer tesão arrebatador. O amor de verdade requer tempo e requer provas: ele se consolida quando alguém tolera e aceita – não evita nem ignora – as pistas mais controversas que o outro vai revelando e, ainda assim, deseja para sempre aquele monte de porcarias por perto.
Não acho que eu seja insensível. Só acho que, quando estamos abertos a ler os sinais, é possível unir razão e emoção para escolher quem vamos amar. Agora, claro, não sou o dono da verdade e, como sei que posso estar errado, olhei para o meu amigo que chorava e só disse uma frase:
– Não é culpa sua.
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