quarta-feira, 18 de maio de 2016



18 de maio de 2016 | N° 18528 
DAVID COIMBRA

Como tornar o texto interessante

Você quer fazer com que as pessoas se interessem pelo texto? Cite Shakespeare.

Citá-lo-ei.

Que dia, este! Não apenas citarei Shakespeare, como, já na terceira frase, embuti uma empolgante mesóclise, que mesóclises empolgam.

Dizem que Shakespeare criou 2 mil palavras e expressões. Em inglês, evidentemente, mas que se incorporaram a outras línguas, entre elas a nossa inculta e bela flor do Lácio. Algumas: “aconteça o que acontecer”, “de repente”, “desapareceu no ar”, “o que está feito, está feito” e até coisas cotidianas como “pegar uma gripe”, “pressa”, “estrada” e “solitário”.

Como é que os ingleses de antes do século 17 conversavam sem usar essas palavras? Como é que eles falavam que estavam com pressa sem dizer pressa, por exemplo? Isso é algo que alguém sabido, como o Faraco, vai ter de me dizer.

Falei do Faraco porque ele é especialista em Shakespeare. Um dia, resolveu que ia escrever a biografia do bardo (Shakespeare, não Chatotorix) e pôs-se a pesquisar. Faraco é escritor criterioso. Para fazer um trabalho à altura de seus critérios, começou estudando a Inglaterra da época. Aí viu que tinha de estudar também sua maior inimiga, a Espanha. 

E a segunda maior, a França. E todos os reis e rainhas sobre os quais Shakespeare poetava. E foi escrevendo. Escreveu e escreveu. De repente (para usar uma palavra criada por Shakespeare), estava com 600 páginas. Isso só na introdução. Percebeu que não pararia mais de pesquisar e escrever. Aquela tarefa, que havia se iniciado como prazer, tornara-se tortura. Uma obsessão. Angustiado, Faraco, num arroubo, destruiu os originais. Control cê, del.

Agora ele diz ser um traumatizado com Shakespeare: “Se dou com ele na mesma calçada, atravesso a rua e não o cumprimento”.

Quando o Faraco me contou essa história, emiti um guincho de dor. Precisamos recuperar essas 600 páginas e publicá-las. Algum hacker haverá de descobri-las no computador do Faraco.

O Faraco, portanto, pode me contar como os ingleses falavam sem as 2 mil palavras que brotaram do gênio de Shakespeare.

A frase dele que pretendo citar para alumiar meu texto também é genial. Está em Rei Lear. Essa peça foi traduzida para o português pelo Millôr Fernandes. Quer dizer: não tem como não ter ficado bom.

Pois a folhas tantas o Rei Lear, já com uns 90 anos de idade, comete uma bobagem e alguém comenta:

– Tu não devias ter envelhecido antes de te tornar sábio.

É uma frase bastante lembrada, como tantas de Shakespeare, mas vem a calhar. Porque eu, à medida que envelheço, pego-me pensando: quando virá a sabedoria que traz a velhice? O tempo vai passando, os músculos vão endurecendo, o cabelo vai branqueando, as mulheres vão me chamando de senhor, e não há acréscimo de sabedoria para compensar.

Estacionei nos 12 anos de idade espiritual, como a maioria dos homens. Por que só as mulheres sabem amadurecer?

Sou como o Brasil. Dizemos sempre que nossa democracia é jovem, mas que ela logo se tornará adulta. Só que, a cada dia, ela parece mais imatura. Antes, as pessoas não davam importância à política. Agora, elas brigam por causa da política. Chamam-se de idiotas por causa da política. Nunca em 500 anos o adjetivo “idiota” foi tão utilizado no Brasil. Ofendem-se. Rompem. Por causa daqueles caras de Brasília. É um retrocesso. Estamos envelhecendo a cada governo. E, não, não estamos ficando mais sábios.

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