segunda-feira, 9 de maio de 2016


09 de maio de 2016 | N° 18520 
L. F. VERISSIMO

Distração

O provável ministro de Ciência e Tecnologia no gabinete em formação do Temer é um bispo licenciado da Igreja Universal, indicado pela bancada evangélica. Deixa eu repetir porque ainda não acreditei no que li. O provável ministro da Ciência e Tecnologia do governo Temer é um bispo licenciado da Igreja Universal! Supõe-se que o bispo seja um criacionista, que repele a teoria da evolução das espécies e prefira a tese de que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, além de inventar o Homem e a Mulher. O bispo tem todo o direito às suas crenças – mas no Ministério da Ciência?!

Sua escolha é uma amostra do retrocesso que nos espera ou mais uma amostra da distração do Temer, que queria para o Ministério da Justiça um amigo seu, sem se dar conta de que o amigo assinara um manifesto de juristas comparando os métodos da Lava-Jato a métodos fascistas. A Polícia Federal vetou o preferido do Temer, inaugurando, ao mesmo tempo, um quarto poder na Republica, o da PF com direito a dar palpites na formação de ministérios. Talvez Temer já esteja cansado da dura tarefa de montar um governo sem votos, e daí sua distração. Ele merece descansar, como o Deus dos evangelhos.

HIPOCRISIA

Durante muito tempo, cultivou-se o mito do Brasil como uma espécie de jardim de inocentes num mundo conspurcado. Até no nosso autodesprezo havia um certo tom triunfal de uma raça diferente esperando sua vez de entrar na História. Éramos ineficientes mas simpáticos, atrasados mas cordatos, pobres mas engenhosos. Assim como a Amazônia era a reserva de oxigênio do planeta, o brasileiro era a sua reserva de candura. Conseguiríamos o milagre de nos transformarmos em potência sem cometer nenhum pecado antibrasileiro, como o da violência ou da insolência imperial. Nossos vilões nos roubaram este mito da amabilidade congênita.

Certamente nenhuma ilusão sobre a candura brasileira sobreviverá a estes últimos anos de ódio e intolerância. Temos uma história cheia de canalhices esquecidas ou camufladas, mas está sendo demais para a nossa hipocrisia este período concentrado de violência entre brasileiros. Os mesmos vilões nos arrancaram da confortável ficção de que poderíamos crescer sem deixar de ser inocentes, apenas como prêmio ao nosso tamanho e aos nossos bons sentimentos. Mas não parece haver dúvida de que será preciso pelo menos uma geração para deixarmos de nos enganar. E para voltar à hipocrisia.

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