terça-feira, 17 de maio de 2016


17 de maio de 2016 | N° 18527
AMÉRICAS

Santiago mais em conta

CHILE É UM DOS PAÍSES MAIS CAROS para o brasileiro na América do Sul. Pensando nisso, damos dicas para um fim de semana por menos de R$ 300 na capital chilena

– O meu sofá é bem confortável. Às vezes eu até durmo nele – anunciou Marcos, o chileno de rabo de cavalo apaixonado pelo Iron Maiden que conheci na estação de metrô de Parque O’Higgins, no centro de Santiago, e que estava me levando a sua casa.

Quando se tem apenas US$ 100 para gastar no fim de semana inteiro, qualquer lugar serve – mas o sofá de couro preto gasto, combinando com um edredom quentinho e a companhia de um gato branco chamado Ixi, na verdade, provou ser um sonho.

No sábado eu dormi bem – se bem que nem precisava, pois as atrações da cidade já tinham compensado: dos mercados aos museus, de Pablo Neruda ao pisco sour, tudo acessível graças a uma linha de metrô funcional e ágil.

SEXTA

A tarde de sexta foi meio deprimente, reflexo talvez dos prédios públicos imensos do centro, mas logo me animei na Plaza de Armas, lotada de gente e de atividade: um músico mais velho fazendo o truque do desaparecimento do ovo, maquiadores transformando menininhas em gatinhas e um comediante que me perguntou de onde eu era e fez uma piada de que todo mundo riu, mas eu não entendi.

Também experimentei uma comida de rua imperdível: ali perto, com 500 pesos, comprei um mote con huesillo pequeno, que nada mais é do que um potinho de bagas de trigo mergulhados em suco de pêssego e pedaços desidratados da fruta. Um cara na minha frente pediu o grande, que achei imenso.

– É a melhor coisa que existe, 100% natural. Mata a fome, a sede, é bom para tudo – disse ele.

Convidei Marcos para jantar, e pegamos o metrô para La Fuente Alemana, sanduicheria famosa em uma cidade obcecada por lanches. No balcão em forma de U lotado, clientes pediam clássicos como o chacarero (carne com vagem) e lomito (lombo de porco) quase tão rapidamente quanto as moças conseguiam prepará-los. Dois sanduíches e duas cervejas saíram por 13,3 mil pesos, o que é menos doloroso quando se pensa que a refeição também é um agradecimento pela hospedagem.

Deixei Marcos e fui ao encontro de Rodrigo Cea, um escritor de viagens com quem mantinha contato há anos, em um wine bar chique chamado Bocanáriz, no bairro elegante de Lastarria. Ele tinha prometido uma degustação por menos de US$ 10 e não me deixou na mão: provei três varietais pouco comuns no país (tipo mourvèdre!) por 4,2 mil pesos e encerrei a noite.

Total gasto: 22.020 pesos (R$ 132,12)*

SÁBADO

La Vega Central (lavega.cl) é um daqueles mercados barulhentos, lotados e imensos que deixam um viajante frugal como eu entretido durante horas e alimentado durante o dia todo. Os vendedores anunciam a chegada das frutas exóticas (“As lúcumas estão aqui!”), e carrinhos lotados de alcachofras e abacates passam de lá para cá.

Na barraca de frutos do mar, “picorocos” (cirrípedes gigantes) dividiam o espaço no gelo com os polvos, e os açougueiros vendiam vários itens, alguns familiares (nug- gets), outros meio assustadores (carne de cavalo). No Eben-Ezer I, resolvi fazer como os chilenos e pedi uma sopa de pé de porco por 1,2 mil pesos, seguida de um suspiro limeño (merengue coberto de doce de leite) de 1 mil pesos da Pasteles Normita (pastelesnormita.cl), uma das muitas barracas pe- ruanas espalhadas pelo mercado.

Era hora de fazer os passeios tradicionais. Em La Chascona, casa que Pablo Neruda construiu para a amante – Matilde Urrutia, que depois se tornou sua mulher –, paguei 4 mil pesos (atualmente, o ingresso custa 6 mil pesos) para ver passagens secretas e móveis sofisticados. Depois, subi o Cerro San Cristóbal até o sensacional Parque Metropolitano, onde tive a impressão de que metade da cidade pedalava, visitava o zoológico, passeava pelos jardins e até rodava um clipe.

Santiago não se aguenta de orgulho do shopping Costanera Center, um templo de seis andares ao materialismo globalizado. O que eles deveriam valorizar seria a minha próxima parada: a Persa Biobio, feira diária que, nos fins de semana, espalha-se pelo bairro inteiro. De galpão em galpão, os vendedores têm de tudo o que um turista pode sonhar: abajures antigos, pebolins, fliperamas e uma cópia ocasional de 1,5 mil pesos de Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada de Neruda – que, infelizmente, estava em falta em La Chascona.

As ruas ao seu redor também são bem interessantes: passei por uma banda tocando covers do Led Zeppelin, desviei de um grupo de dançarinas do ventre, comi um sanduíche de lomito (2 mil pesos) em um balcão caótico chamado La Picá de Jaime e tomei um chope (1,5 mil pesos) em um restaurante com cara de boteco chamado Las Pipas. Quando mostrei uma nuvem de mosquitos para o cara da mesa ao lado, ele disse:

– Beber aqui é tranquilo; comer é que não é aconselhável.

À noite, fui a um bar chamado Mamboleta e pedi a opção de pisco sour mais barata do cardápio, de 2 mil pesos. A bebida chegou e me preparei para fazer a comparação com a versão peruana a que estava acostumado. A clara espumosa com um toque de bitter parecia a mesma; tentei de todo jeito perceber algo inovador – e quando veio a conta, vi que tinha pedido mesmo a versão peruana (a chilena não inclui a clara).

Estava caminhando rumo à ponte para Bella Vista, a badalada área onde a vida noturna é mais intensa, do outro lado do Rio Mapocho, quando deparei com uma visão curiosa: centenas de pessoas no Parque Forestal, ali na margem, dançando ao som de La Vida Es un Carnaval, de Celia Cruz. Sem querer, peguei o evento mensal gratuito chamado Encuentro Ciudadano en Luna Llena.

Total gasto: 45.120 pesos (R$ 270,72)*

DOMINGO

Já tinha preparado meu plano de ação para o domingo: comer sopaipillas e visitar museus. O fim de semana inteiro resisti à tentação de provar os disquinhos de massa fritos, à base de abóbora, vendidos por 100 pesos cada pelos camelôs em todo lugar, mas cometi um erro, porque não consegui encontrar um vendedor sequer.

Irritado, torrei 33 mil pesos em um tamal peruano com suco. Dali, parti para uma série de museus com entrada gratuita no domingo, começando pelo Nacional de Belas Artes e terminando no da Memória e Direitos Humanos (sempre gratuito), que registra o golpe de 1973 e a ditadura assassina de Pinochet. Além de passar horas ali, esqueci totalmente das benditas sopaipillas.

Total gasto: 48.940 pesos (R$ 293,64)*

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