terça-feira, 31 de maio de 2016


31 de maio de 2016 | N° 18539 
DAVID COIMBRA

Por que o medo


Martin Luther King é herói para o meu filho. Na escola, King é dos personagens mais estudados pelas crianças. Ele morou aqui, graduou-se em teologia pela Boston University e, entre os bostonianos, talvez só perca em prestígio para Kennedy. Chamam-no de “doctor King”.

Como não quero que meu guri deixe de ser brasileiro, ensino-lhe os contrapontos do lado de baixo do Equador. Então, comecei a contar-lhe sobre Zumbi dos Palmares, e, em meio à narrativa, encantei-me com o encantamento dele.

– É mesmo? – perguntava-me, boquiaberto. – É mesmo? Que coisa. Que coisa!

Aí me empolguei e colori ainda mais a história e já estava emocionado, quando entendi o motivo de todo aquele entusiasmo: meu filho tinha achado sensacional um dos heróis da história brasileira ser um morto-vivo comedor de cérebros.

Mais um capítulo do conflito de gerações. Por algum motivo, zumbis gozam de grande popularidade entre as crianças de hoje e mais ainda entre os adolescentes.

Por aqui, eles fazem sessões de cinema a partir da meia-noite de sexta-feira, as chamadas “Midnites”, apenas com filmes de terror, assistidos apenas por adolescentes. Não vou. Não gosto. Por dois motivos.

Uma época, depois dos anos 1980, os filmes de terror se brutalizaram. Era sangue espirrando e vísceras expostas. Péssimo gosto. Evitava esse tipo de filme.

Agora os filmes de terror retomaram o tema da ação das forças do Mal no mundo dos vivos, tipo clássicos como O Exorcista e O Bebê de Rosemary. Aí não assisto por uma razão que considero perturbadora: tenho medo!

Isso me deixa realmente chateado. Porque, se não sou materialista nem cartesiano no sentido pejorativo que a palavra ganhou modernamente, sou racional. Ou, pelo menos, tento ser. Tento refletir sobre as coisas do mundo, como diria o Paulinho da Viola, e compreendê-las.

Então, como é que um simples filme, que sei como foi feito, que sei que é ficção, que sei que é bobagem, então como é que um filme me faz sentir medo? Medo de quê? De fantasmas? Do diabo? Das forças malignas? Do sobrenatural? Como posso sentir medo de algo que SEI que não existe?

Aí está um verbo que repeti bastante: saber. O que SEI às vezes não corresponde ao que SINTO.

É uma terrível fraqueza, e é muito irritante. É o meu subconsciente derrotando o consciente.

Esse subconsciente, personagem do qual primeiro tratou Kant, depois Schopenhauer e depois Freud, esse subconsciente não devia ser tão poderoso. Ele devia continuar se refocilando nos subterrâneos da alma, emergindo só durante o sonho, e olhe lá.

De onde vem essa força? Não é mágica. Não é transcendental.

Sei o que é. Kant, Schopenhauer e Freud já me contaram. É fruto de percepção. Quer dizer: de inteligência fina. Baseado em experiências e conhecimentos de que talvez nem me lembre (conscientemente), meu subconsciente capta sinais e emite alertas.

O que querem dizer? O que significam? É difícil saber.

E, se você não consegue decifrar nem uma camada inferior de si mesmo, você é o verdadeiro morto-vivo.

Vai ver é essa a origem da fascinação dos adolescentes por zumbis. Eles olham para aquelas figuras em busca de cérebros e se identificam. E eu com eles. Cérebros, cérebros. Precisamos de cérebros.

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