sábado, 7 de maio de 2016


07 de maio de 2016 | N° 18519 
L.F. VERISSIMO

  • O Bom Partido

    Do baú. O tão discutido casamento homossexual não deixa de ser uma sequência natural da longa e estranha história de uma convenção, a união solene entre duas pessoas, que começou no Éden. A Bíblia não esclarece se Adão e Eva chegaram a se casar, formalmente. Deve ter havido algum tipo de solenidade. Na ausência de um padre, o próprio Criador, na qualidade de maior autoridade presente, deve ter oficiado a cerimônia.

    No momento em que Deus perguntou se alguém no Paraíso sabia de alguma razão para que aquele casamento não se realizasse, ninguém se manifestou, mesmo porque não havia mais ninguém. A cerimônia foi simples e rápida, apesar de alguns problemas – Adão não tinha onde carregar as alianças, por exemplo –, e Adão e Eva ficaram casados por 930 anos. E isso que na época ainda não existiam os antibióticos.

    Mais tarde, instituiu-se o dote. Ou seja, as mulheres, como caixas de cereais, passaram a vir com brindes. O pai da noiva oferecia, digamos, 10 cântaros de azeite e dois camelos ao noivo e ainda dizia:

    – Pode examinar os dentes. – Deixa ver... – Da noiva não, dos camelos!

    Eram comuns os casamentos por conveniência, pobres moças obrigadas a se sujeitar a velhos com gota e mau hálito para salvar uma fortuna familiar, um nome ou um reino. Sonhando, sempre, com um Príncipe Encantado que as arrebataria. (O sonho era sempre com um Príncipe Encantado. Nenhuma sonhava com um Cavalariço ou com um Caixeiro Viajante Encantado.)

    Mais tarde veio a era do Bom Partido. As moças não eram mais negociadas, grosseiramente, com maridos que podiam garantir seu futuro. Eram condicionadas a escolher o Bom Partido. Podiam namorar quem quisessem, mas na hora de se casar...

    – Vou me casar com o Cascão. – O quê?! – Nós nos amamos desde pequenos.

    – O que que o Cascão faz? – Jornalismo. – Argh!

    O Bom Partido foi um avanço nos hábitos matrimoniais, embora fosse apenas uma variação dos casamentos por conveniência. Em vez de forçada pela família a se casar com velhos ricos, a moça tinha o consolo de poder se casar com moços ricos, tão convenientes como os velhos mas sem gota e mau hálito.

    A era dos Bons Partidos acabou quando a mulher ganhou sua independência. Paradoxalmente, foi só quando abandonou a velha ideia romântica do ser frágil e sonhador que a mulher pôde realizar o ideal romântico do casamento por amor, inclusive com o Cascão. Só havendo o risco de o Cascão preferir se casar com o Rogério.

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