28 de maio de 2016 | N° 18537
ANTONIO PRATA
TECLA SAPDO HUMOR
Algum dia, essa nuvem negra estacionada entre o Guaíba e o Amazonas há de se dissipar, o Congresso deixará de ser o valhacouto dos velhacos, o covil dos covardes, o desvão dos desvios e o Legislativo finalmente retratará os múltiplos interesses nacionais. Neste dia glorioso, entre deputadas vegetarianas e senadores hip hop, entre ianomâmis e sadomasoquistas, empresários e budistas, hackers e nudistas, nerds e skatistas, cristãos, judeus, muçulmanos, ateus, punks e umbandistas, me sentirei enfim representado por uma bancada: a bancada dos humoristas – um conjunto de homens e mulheres sérios, empenhados em derrubar o verniz de seriedade que nos impede de enxergar o ridículo de todas as coisas deste mundo.
Enquanto o sol não vem – o cumulonimbus da mesquinharia parece bem fixo sobre nós –, dou aqui minha imodesta sugestão para os excelentíssimos comediantes: sugiro um projeto de lei tornando obrigatória, em todo o território nacional, a tecla SAP do humor. Em qualquer filme de cinema ou programa de televisão, de pronunciamento oficial a novela das oito, de Godard a comercial de margarina, do chamego sob os edredons do BBB aos grampos dos caciques do PMDB, em se apertando a tecla SAP do humor, teríamos a versão paródia do que estivesse sendo exibido. (Para pessoas com problemas auditivos, haveria legenda ou um mímico fazendo umas patacoadas num quadradinho, embaixo da tela).
Aparece o Temer, você aperta a tecla SAP e ouve a Tatá Werneck falando uns absurdos. William Bonner daria notícias delirantes sobre, digamos, uma chuva de cupcakes em Quixeramobim – com a voz do Pato Donald. Donald Trump só falaria espanhol, com sotaque árabe – sobre sexo. Debates entre políticos seriam dublados ao vivo pelo pessoal do extinto Rock Gol, da MTV. Marcelo Adnet recriaria os textos de todas as novelas bíblicas.
Gregório Duvivier seria o encarregado pela Iurd. Pedro Cardoso faria a voz nos filmes do Bruce Willis. Bruno Mazzeo narraria todos os jogos de futebol e todos os jogos de futebol seriam do Vasco e o Vasco ganharia tudo, da série C de Santa Catarina a Champions League. (Se já houvesse a tecla SAP do humor na semifinal da Copa de 2014, Vasco x Alemanha teria terminado 7 a 1 pro Vasco – o Vasco seria o time de camisa branca, claro, a Alemanha, aqueles perdidões de amarelo).
Se você quisesse, poderia passar o dia com a tecla SAP do humor apertada: seria como assistir à realidade a contrapelo, ao mundo bizarro no desenho do Superman, ao lado de lá em Alice através do Espelho, seria o Porta dos Fundos entrando pela porta da frente nos lares e Cinemarks da nação.
Haveria apenas duas exceções em que a tecla SAP do humor não funcionaria: no horário eleitoral e em votações do Congresso. Ver a bancada da bala defender a vida, o Partido da Mulher Brasileira criticar o feminismo e religiosos usarem o nome de Cristo para reduzir a maioridade penal já é patético o suficiente. (Pensando bem, o 7 a 1 tampouco precisaria ser dublado. Melhor seria assistir a ele sem falas, em preto e branco, com um pianinho animado ao fundo, como uma boa comédia do Chaplin ou do Buster Keaton.)
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