21 de maio de 2016 | N° 18531
MARTHA MEDEIROS
Martha Medeiros está em férias.
Esta coluna foi originalmente publicada em 16/01/2002.
Andróginos
Artista é o que toca no extremo. Catalogar um artista como homem ou mulher e a partir daí tirar conclusões é percorrer um caminho muito curto para a compreensão da obra de alguém
Uma das perguntas que mais fazem a escritores é sobre a diferença entre a literatura feminina e a literatura masculina.
Eu nunca senti essa diferença de forma gritante.
Em tese, TPM e parto podem ser melhor descritos por uma mulher do que por um homem, e assim entraríamos no terreno das vivências para diferenciar uma literatura de outra, mas acredito que, havendo talento, qualquer um escreve sobre qualquer coisa.
Como já disse Virginia Woolf, todo artista é um andrógino.
As pessoas se inquietam com essa afirmação, como se estivéssemos dizendo que todo artista é um androide, quando é justamente o contrário.
O artista não é programado para pensar como mulher ou como homem, para gostar de cor-de-rosa ou de azul, para ser mais romântico ou mais pragmático, segundo as generalizações impostas no berço.
O artista é o oposto do androide, é desprogramado de nascença, aberto a todas as correntes de pensamento, dono de uma antena que capta os sentimentos mais contraditórios.
O artista traz uma liberdade assustadora no peito e o ímpeto de expressá-la na sua dança, através de seus pincéis ou num palco.
Não há juventude e velhice no ato da criação, não há livros escritos por cabeludos que sejam diferentes de livros escritos por calvos, não é o alcoolismo de um músico que o diferenciará de um músico abstêmio, somos todos diferentes na nossa percepção individual e unos na nossa descrença em relação a verdades únicas.
Todo artista é ao mesmo tempo o louco e o sensato. Artista é público e solitário, é quem se dá e se recebe de volta, encarna e desencarna, fala por João, por Maria e pelos bichos todos que traz dentro.
Artista é o que toca no extremo.
Catalogar um artista como homem ou mulher e a partir daí tirar conclusões é percorrer um caminho muito curto para a compreensão da obra de alguém.
Fumamos charuto (somos homens ou mulheres?), sentimos a ausência de um filho (somos homens ou mulheres?), somos ciumentos patológicos (somos homens ou mulheres?), gostamos de cozinhar (somos homens ou mulheres?).
São apenas pessoas em busca do sentido da vida e que convidam a embarcar nessa viagem aqueles que não se preocupam de onde a viagem parte, mas para onde ela nos leva.
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