quinta-feira, 12 de maio de 2016


12 de maio de 2016 | N° 18523 
DAVID COIMBRA

Os filhos de César


Enquanto escrevo, os senadores deitam falação em Brasília. Enquanto você lê, o governo Dilma já deve fazer parte do passado.

Mesmo que tenha sido justa a deposição, a derrubada de um governante eleito é sempre traumática para o país. O que se pode aprender com esse processo, para que não tenha de ser repetido?

A resposta correta não é “aprender a votar”. Os brasileiros votaram em Dilma e também já votaram em Collor e Jânio, assim como muitos americanos votarão em Trump e já votaram em Bush pai e Bush filho.

O voto muda de acordo com a conveniência do eleitor. Voto é momento, é quase uma ação emocional. O que é preciso aprender é que a eleição de um presidente não pode significar a salvação ou a derrocada. Um presidente não é um rei.

Um presidente não pode ter tanto poder como tem no Brasil. Não pode ter tanto dinheiro e tantos cargos à disposição. A reforma mais importante não é a política, são as reformas tributária e federativa, para diminuir e repartir o poder da União.

Outro dia escrevi uma frase que agora repito: em nenhum país do mundo, em nenhum naco da História, um homem ou um partido tornaram justa uma sociedade que antes era injusta. Nunca, jamais uma nação se modificou graças a uma iniciativa particular.

Os grandes homens da História, em geral, foram grandes em proveito próprio. Júlio César era modelo na Roma Antiga, tanto que césares, kaisers e czares levaram no título o seu nome. Alguns dizem que César fez boa administração. Talvez. Mas ele corroeu Roma pelos intestinos. Por causa de César, a República findou. 

Os senadores que 23 vezes o apunhalaram o fizeram por amor às instituições e, no início, foram considerados heróis. Depois o populismo venceu. O populismo é popular. Os romanos, porém, experimentaram os efeitos nefandos desse populismo por 500 anos. Tibério, Calígula, Nero, Heliogábalo, Cômodo, todos os monstros que se seguiram foram filhos de César.

Getúlio Vargas teve igual papel no Brasil. Quando ele interrompeu o processo democrático, criou uma cultura política que até hoje nos vergasta. Quase tudo que veio de ruim depois, de Jânio a Dilma, passando pelo regime militar, está na conta de Getúlio.

A figura do estadista, sempre tão reivindicada por quem acredita em salvadores da pátria, funciona bem em tempos de crise: Churchill na II Guerra, Roosevelt após a Grande Depressão, Mandela no apartheid. Mas, via de regra, o Grande Líder não ajuda; atrapalha.

Um país só se torna uma nação justa de baixo para cima, quando dá autonomia aos seus municípios e às unidades da federação, que é onde as pessoas vivem a vida real, e quando existe a compreensão de que é necessário respeitar o que Rousseau chamava de Contrato Social.

Em outras palavras: a lei.

As sociedades com maior nível de justiça no mundo são sociedades legalistas. São, todas, democracias capitalistas, como é o Brasil, e todas solidamente legalistas, como não é o Brasil.

Mas o Brasil está mudando.

Não porque o governo do PT está sendo punido. Esqueça o PT, porque aí a conversa se torna emocional. O importante é que um governo que infringiu a lei está sendo punido.

O governo Dilma infringiu a lei. É fato.

Tinha de acabar. É a lei. O Brasil está melhorando.

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