30 de maio de 2016 | N° 18538
DAVID COIMBRA
A amiga que chorava
Eu tinha uma amiga que chorava sempre. Chorar é coisa de pessoas, mas ela era todos os dias. No início, aquele choro indefectível nos deixava consternados, mas, com o tempo, por ser indefectível, fomos nos acostumando.
Uma noite, nós em uns 10 numa mesa de bar e ela, de repente, começou a chorar. A conversa continuou como se nada de diferente tivesse acontecido, até porque nada de diferente estava acontecendo.
Ela era uma moça bonita, essa minha amiga, e inteligente e muito querida por todos. Por que chorava? Um dia lhe perguntei. E ela respondeu com uma só frase, que ainda guardo aqui no bolso e uso agora:
– Eu erro tanto...
Era isso. Chorava porque errava.
Eu, o dia não termina sem que tenha cometido um cacho de erros. Se pouco antes de dormir chego à conclusão de que foi um só, adormeço sorrindo. Foi um dia de sucesso.
Alguém dirá que estou querendo posar de humilde. Nada. Não se trata de humildade, mas de consciência da realidade. O que me dá uma vantagem: perdoo-me mais facilmente do que a minha amiga chorona. Ela tinha elevada expectativa a respeito do seu desempenho neste mundo, que, no caso, era mesmo um Vale de Lágrimas. Então, quando ela errava, ela se revoltava.
Você tem que ter autocrítica. Tudo bem. Concordo. Mas também tem que ter capacidade de autoindulgência. Até porque as outras pessoas estão sempre atentas para criticá-lo. Só que a crítica das outras pessoas em geral está errada e a sua própria em geral está certa, sobretudo quando as outras pessoas não conhecem você o suficiente e quando você se conhece o suficiente.
Gosto de duas frases de Caetano sobre autocrítica e crítica alheia.
Sobre autocrítica: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Sobre crítica alheia: “De perto ninguém é normal”.
Mas a melhor de todas, a mais profunda, que reúne ambos os conceitos, é de Jesus de Nazaré: “Cada um julga os outros com sua própria medida”.
É isso. Em geral, se você vê maldade em tudo, é porque a maldade está em você.
Outra boa frase, também de Jesus: “O que contamina o homem não é o que lhe entra pela boca; é o que lhe sai da boca: o Mal é o que sai da boca do homem”.
Ou seja: você deve se perdoar mais, porque os outros não o farão. Qual é a saída? Simples: seja um Marco Aurélio Mello ao se julgar; não seja um Moro. Tento ser um Marco Aurélio comigo mesmo, e com os outros também.
Gula? Luxúria? Preguiça? Soberba? Avareza? Ira? Inveja?
Quem na vida não comete eventualmente cada um dos Pecados Capitais? Quem aqui nunca? Atire a primeira pedra!
Lembro de um filme do Woody Allen em que ele leva um fora da namorada. Ele pergunta qual o problema. Ela responde que ele é imaturo.
– Imaturo em quê? – ele insiste. – Intelectualmente, emocionalmente e sexualmente.
– Mas e no que mais? Autoindulgência é um talento.
As pessoas andam julgando muito, e condenando sempre. Raul Seixas, outro bom frasista, dizia para sua mamãe que não queria ser prefeito, porque podia ser eleito. Eu também não, querida mamãe Seixas. Os eleitos, por terem pedido voto, esses sim têm de ser fiscalizados e julgados a todo momento. Eles não podem cometer deslizes. Eu, sim. Afinal, cometo todos os dias.
Minha amiga que chorava parece que também. Faz tempo que não a vejo. Não sei por onde anda. Se a visse agora, eu lhe diria: seja generosa com você mesma, querida amiga. Não chore por seus erros, ria deles. Os outros vão rir também.
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