20 de maio de 2016 | N° 18530
DAVID COIMBRA
O livro de pele humana
Há um par de anos, os curadores da Biblioteca de Harvard estranharam a maciez da capa de um antigo livro do acervo. Mandaram fazer análises químicas. E descobriram que a capa era feita de... pele humana.
Investigando um pouco mais, encontraram outros três volumes encadernados com pele humana, e existe a suspeita macabra de que em um deles o material tenha sido extraído enquanto o fornecedor estava vivo, por esfolamento.
Essa história me fez lembrar de Ilse Koch, a Cadela de Buchenwald, mulher do comandante do campo de concentração nazista que ficava nessa localidade da Alemanha – ela gostava de fazer pantalhas de abajures com as peles tatuadas dos prisioneiros.
Mas não era sobre essas questões tétricas e epidérmicas que queria escrever, e sim sobre a Biblioteca de Harvard. É uma das maiores bibliotecas privadas do mundo, com mais de 15 milhões de livros.
É compreensível que Harvard tenha uma biblioteca de tal importância: o orçamento da universidade é de 30 bilhões de dólares por ano, o dobro do orçamento do Rio Grande do Sul. Mas Boston também tem uma grande biblioteca pública bem no centro da cidade, na Boylston Street, e lá estão guardados outros 15 milhões de volumes. E aqui pertinho, na minha rua, a três minutos de caminhada de mão no bolso, há outra biblioteca de bom tamanho. Lá pego emprestados, de graça, livros, filmes, CDs, jornais e revistas. Lá são dadas aulas gratuitas de inglês, nas manhãs de sexta-feira. Lá ocorrem reuniões da vizinhança.
São muitas as bibliotecas espalhadas pela cidade. Ao entrar em algumas, penso sempre na Biblioteca Romano Reif, que fica em frente ao campo do Alim Pedro, no IAPI. Já citei esta biblioteca outras vezes. Tenho especial afeição por ela, porque passei alentado tempo da minha época de guri lendo os livros que lá havia.
A pequena biblioteca do IAPI é uma sobrevivente. Foi montada nos anos 1970 por moradores da Coorigha, nos baixos da Plínio, e depois passou para o município. Depende, e muito, da boa vontade das professoras que a administram. Mas não é só ela. A Biblioteca Pública do RS também não está em muito melhor estado.
Agora, o que mais me chocou foram as condições em que estava a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, há uns três anos. Essa biblioteca é um dos tesouros do Brasil, é uma das maiores do mundo, é lindíssima, é histórica, e entre seus 9 milhões de livros reluzem os que Dom João VI arrancou da Biblioteca de Portugal e trouxe para o Brasil quando fugiu de Napoleão, em 1808. Pois os funcionários da Biblioteca Nacional chegaram a fazer protestos porque não tinham nem ar-condicionado para trabalhar durante os ardores do verão carioca. Uma lástima. Um abandono.
Será que o finado Ministério da Cultura, tão pranteado por artistas renomados, não tinha interesse por livros? E pelos museus? A Globo ergueu há pouco um belíssimo museu no Rio. Em Porto Alegre, o empresário Jorge Gerdau liderou a construção do Museu Iberê Camargo. O Estado teve participação nas obras, mas por que a iniciativa coube a particulares? Por que o governo fez jorrar quase 1 bilhão de dólares num estádio em Brasília, lugar de parco futebol, e não em algum resplandecente museu ou biblioteca pública?
A transformação do ministério em secretaria fará mesmo mal à cultura? Ou apenas a alguns artistas privilegiados? A estrutura de um ministério faz diferença para alguma área? Ou o inchaço dos últimos anos serviu mais para dar empregos a apaniguados? Um dia encontro respostas.
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