quarta-feira, 25 de maio de 2016


25 de maio de 2016 | N° 18534 
DAVID COIMBRA

Injustiça não é golpe


Gustavo é de São Leopoldo. Foi petista, hoje é filiado ao PSOL. Conheço-o superficialmente. O suficiente, porém, para saber que é dono de bom caráter. Pessoas de esquerda em geral são movidas por boas intenções, sobretudo pela ideia de que o Estado deva resolver os problemas dos indivíduos. Pode não ser funcional, mas é generoso.

Outro dia, Gustavo me enviou um e-mail ressentido devido aos meus textos sobre a situação política brasileira. O tom era o mesmo de todos os que fazem a análise a partir da esquerda: de que a crítica ao PT seria produto de algum interesse meu. Em outras palavras: de desonestidade intelectual.

Terçamos argumentos. Disse a Gustavo que posso estar errado honestamente. Que o fato de não concordarmos não significa má intenção minha ou dele.

Ele, de certa forma, concordou, e nossa conversa virtual se tornou mais amena.

Gostei de “falar” com Gustavo, porque percebi a angústia genuína das pessoas bem-intencionadas que acreditavam no governo do PT.

Essas pessoas gritam que houve golpe no Brasil por uma razão sincera: elas acham que a causa da queda de Dilma foi a conspiração do PMDB.

Não foi. Temer, Cunha e o PMDB em geral conspiraram pela queda de Dilma, é verdade. Mas não foram eles que a derrubaram. Eles nem teriam força para tal.

Quem derrubou Dilma foi Dilma. Foram os erros e os delitos que ela cometeu, expostos pela Operação Lava-Jato. Não fosse a Lava-Jato, Dilma continuaria mandando nas empreiteiras pelo Brasil afora.

Dilma jura que é honesta, e os petistas decentes querem acreditar. Só que a honestidade não se limita ao sétimo mandamento. O roubo não é a única desonestidade possível.

Dilma mentiu durante a campanha eleitoral, fato admitido inclusive por Lula. Mentiu também sobre o tamanho do rombo fiscal. A mentira é grossa desonestidade.

Há outras.

A campanha de Dilma foi financiada com dinheiro de propina, segundo vários delatores, o que provavelmente a levará a sua cassação pelo TSE.

Dilma tentou obstruir a Justiça ao nomear Lula ministro. O mesmo crime arrastou Delcídio para a cadeia e lhe tirou o mandato, e deve levar às condenações de Lula, Mercadante e Romero Jucá.

Dilma participou, concordou ou, no mínimo, permitiu corrupção na Petrobras, na Eletrobras, no BNDES, nos Correios, no Incra, na Caixa e nas obras do PAC, da Copa e da Olimpíada.

Em que área do governo NÃO HOUVE corrupção? Dilma cometeu crimes, sim. O impeachment é justo.

Mas digamos que não fosse. Digamos que Dilma seja inocente como uma bandeirante. Que ela nem sequer suspeitasse do que ocorria a palmo e meio da sua testa.

Mais: digamos que o tribunal que julgou Dilma, o Congresso, não tenha apenas parte de seus integrantes suspeitos de cometimento de ilícitos. Digamos que TODOS os deputados e senadores do Brasil sejam suspeitos e investigados.

Ainda assim, o impeachment não seria golpe. Dilma poderia se considerar injustiçada, mas nunca poderia dizer que é vítima de golpe.

Qualquer um pode ser injustiçado por um tribunal. Mas, se houve legalidade no julgamento, o sistema funcionou. O julgamento de Dilma foi legal, os processos se deram estritamente dentro dos ritos e das regras. Não houve golpe.

Quando Dilma, preocupada em salvar sua imagem, fala em golpe, fere as instituições brasileiras e ataca o próprio país.

É compreensível a indignação de Gustavo e de todos os petistas decentes: o PMDB traiu Dilma e lhe tomou o poder. Mas essa traição só pôde ser consumada porque Dilma cometeu ilegalidades passíveis de punição. O governo Temer, portanto, é legítimo, mas, se fizer parecido, cairá também. Em meio a tantas notícias ruins, esta é a ótima: hoje, no Brasil, nem a legitimidade salva da ilegalidade.

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