07 de maio de 2016 | N° 18519
ANTONIO PRATA
UMA BOA NOTÍCIA
Devia começar pela pergunta de praxe: prefere antes a boa ou a má notícia? Otimista incorrigível que sou, contudo, pulo a firula retórica e vou direto à boa notícia: a humanidade não vai durar muito. Vamos admitir: a humanidade, como dizem os cariocas, deu ruim – e o efeito estufa, se mantivermos o otimismo (desta vez um otimismo místico, quase messiânico), é uma espécie de recall planetário. Nós vamos pro saco, várias outras espécies – coitadas – também, mas a natureza como um todo se ajeita, como sempre se ajeitou nas outras extinções em massa. Em milhões de anos, restarão apenas, soterrados, fósseis deste mau passo da evolução – algo assim como uns exemplares de Anônima Intimidade, do poeta Michel Temer, jogados no fundo de uma caçamba de entulhos.
Imagine que numa galáxia distante uns ETs descobrem que há vida inteligente [sic] neste simpático planeta azul. Imagine que eles resolvem nos conhecer. Imagine que eles pousam no canteiro central da Avenida Santo Amaro, seis e meia da tarde. Os ETs descem da nave. Olham o engarrafamento. Olham o Borba Gato. Olham uns pros outros e pensam se o Waze deles não teria errado de endereço – como nessas vezes em que você tá em Pinheiros, digita o nome de uma rua na Vila Madalena e aparece uma praça a 2.669 quilômetros de distância, em Macapá.Os ETs se perguntam se não teriam dado em algum Amapá cósmico, mas não ouvem as próprias perguntas porque uma pontinha da nave está atrapalhando a pista da esquerda (sentido bairro) e uma fila de carros buzina: dane-se que tem um óvni pousado no canteiro central, dane-se que é a primeira vez que alienígenas visitam a Terra, os motoristas trabalharam o dia inteiro e já não bastam o corredor de ônibus, as ciclovias, agora ainda tem óvni pra atrapalhar o trânsito?! “Vai pra Cuba!”. “Volta pra Varginha!”.
A humanidade sempre foi um descalabro. Basta olhar em volta para se dar conta de que eu e você, com casa, comida, roupa lavada e Netflix somos a exceção no tempo e no espaço. Hoje as 62 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo dinheiro que os 50% mais pobres (3,5 bilhões de pessoas). 780 milhões não têm acesso a água potável. 1,3 bilhão não têm energia elétrica. No Brasil, 45% das residências não estão conectadas à rede de esgoto – imagina então à Netflix?
“Ah, mas e o primeiro mundo?” – dirá um esperançoso leitor. “Se eles conseguiram, nós também podemos conseguir!”. Eles conseguiram o quê? A diferença entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos é que lá eles se organizaram minimamente pra ferrar só quem tá do lado de fora da fronteira, enquanto aqui a gente esculhamba com a gente mesmo. Numa perspectiva global, não faz a menor diferença.
Houve um momento, nalguma tarde por volta de 2010, durante a primavera, talvez, em que vimos todas aquelas TVs de plasma surgindo e refletindo o sol dos trópicos, uma brisa fresca soprou do Atlântico e nos trouxe a ilusão de que o Brasil ia dar certo, de que o mundo talvez fosse um lugar justo e um “happy end” até seria possível.
Não vai ter “happy end”, mas ao menos o “end” está próximo – eis a boa notícia. A má notícia é que, antes disso, entre outros reveses, teremos, já nos próximos dias, provavelmente, o autor de Anônima Intimidade como presidente do Brasil.
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