19 de maio de 2016 | N° 18529
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Maranhão
TEMOS AQUI O AUMENTATIVO de maranha, termo antigo para designar um enredado de fios
Não faz três semanas que saiu do completo (e merecido) anonimato o deputado Waldir Maranhão, que hoje, por artes do demo, ocupa a presidência da Câmara dos Deputados. Além de aumentar o descrédito em que caiu o nosso parlamento, sua breve e tosca participação no processo do impeachment também teve várias repercussões na república das palavras.
Primeiro, ao assinar tanto a anulação quanto a desanulação da votação do plenário, lembrou aos esquecidos que o léxico de nosso idioma, muito além da lista que aparece nos dicionários, é um mecanismo capaz de produzir na hora, a la minuta (é assim mesmo, sem crase), a palavra necessária para expressar uma nova realidade.
Segundo, atiçou a imaginação e o humor daqueles que, como você e eu, caro leitor, aprenderam a saborear o incomparável prazer das palavras – como nosso Pedro Gonzaga, que propôs com bom humor a adoção do verbo maranhar: “1 – (v.int.) – Anular decisão vergonhosa ou inexplicável em um prazo não maior do que 24h. Ex.: Ia usar aquela calça, mas maranhei. 2 – (v. pr.) Anular-se a si mesmo. Ex: Carlos maranhou-se”.
Terceiro, levou a leitora Gláucia V., de Pato Branco, no Paraná, a recordar, ironicamente, uma antiga maledicência que vinculava o nome Maranhão ao embuste e à mentira. Diz ela: “O que mais se podia esperar desse senhor, com seu bigodinho do cantor Orlando Silva? Afinal, Maranhão não foi sempre a terra da mentira?”. Essa etimologia pejorativa, muitas vezes evocada pelos detratores da terra de Gonçalves Dias, tem duas fontes bem conhecidas. A primeira, de origem literária, está no excepcional Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, de 1654.
Nele o padre Vieira fustiga os costumes da sociedade maranhense da época, construindo um arrasador jogo de palavras que ficaria famoso para sempre: “M – Maranhão, M – murmurar, M – motejar, M – maldizer, M – malsinar, M – mexericar, e, sobretudo, M – mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente”. Eram palavras ditadas por uma indignação justa, mas momentânea; depois disso, em reiteradas vezes, Vieira declarou o seu amor pelas terras do Maranhão, mas o mal já estava feito.
A segunda está na própria origem do nome. Muitos filólogos brasileiros, num divertido espetáculo de contorcionismo linguístico, tentaram encontrar para ele uma origem tupi-guarani – tarefa obviamente destinada ao fracasso, já que o vocábulo maranhão (assim como maranõn, seu equivalente espanhol) já era usado na Península Ibérica antes do Descobrimento. Na verdade, temos aqui o aumentativo de maranha, termo antigo para designar um enredado de fios ou um matagal, uma formação vegetal densa, difícil de varar; não por acaso, tanto maranhas quanto maranhão aparecem na toponímia de Portugal.
Foi exatamente isso, diz José Leite Vasconcelos, que levou os navegadores portugueses “a chamar Maranhão àquela grande maranha da costa do Brasil”. Ocorre que maranha (que, por falar nisso, é a mãe de emaranhar) também passou a significar, por metáfora, “intriga, maquinação secreta, ardil, esperteza”, o que constitui uma oportunidade de ouro para os provocadores, que se apegam a esse sentido secundário da palavra para atingir os maranhenses, pobres brasileiros como nós, que não têm nada a ver com isso – excetuando, é claro, o deputado Waldir e mais alguns famigerados conterrâneos.
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