domingo, 27 de março de 2016



19 de março de 2016 | N° 18477 
DIANA CORSO

FIU, FIU!

Por que é tão difícil para alguns homens acreditar que as mulheres não querem ser assediadas? A rua não é uma floresta onde haveria o predador e a presa na caçada do sexo. Quase sempre elas caminham alheias a tudo, tendo outras tantas coisas em que pensar, e com eles costuma ocorrer o mesmo. Mulheres e homens só são despertados eroticamente em circunstâncias particulares e pelo tipo de pessoa que corresponde a seu desejo.

Ao contrário do que se acredita, o desejo sexual masculino não é tão imperioso. Seria até um repouso para sua virilidade exausta se eles não precisassem sentir e demonstrar-se onívoros e eretos o tempo todo. O assédio é frequentemente um comportamento grupal, o que leva a pensar que eles não dedicam essa performance exatamente para as mulheres, mas sim uns aos outros. Os homens tornam-se mais admirados e, portanto, com mais valor entre si, quando se mostram desejantes na presença de um corpo feminino.

Todas nós já tivemos experiências de assédio, inclusive quando pequenas. Se avaliamos que não é preciso sair correndo, apenas fitamos o chão e andamos mais rápido. Sabemos bem marcar o ritmo dos passos de qualquer homem que divida uma calçada conosco a qualquer hora do dia, e isso muito antes de nossa cidade ter virado o velho oeste.

Paradoxalmente, o machismo é filho da existência da figura supervalorizada da mãe, uma mulher onipresente, totalmente dedicada ao filho. Na infância ela é uma giganta de cujas vontades e benesses os meninos, principalmente, dependem trêmulos e amorosos. Homens têm sido criados, há séculos, pelas próprias mães, acreditando ser a encarnação de uma dádiva e tendo suas vontades atendidas com devoção. O destino das meninas é diferente. Embora a relação com a mãe também seja imensa, é marcada por conflitos que estremecem esse amor.

Creio que o patriarcado, além de uma tradicional forma de poder, é também uma defesa contra o amor e a submissão a essa mãe poderosa. Para livrar-se da fragilidade resultante dos restos desse vínculo, os homens adultos habituaram-se a separar as fêmeas em duas categorias desvalorizadas: as virginais, destinadas a ser mães e esposas subjugadas, e as prostitutas, a serem tratadas como mercadoria.

Porém, felizmente está difícil encaixá-las nesses papéis. Quem lê os romances da escritora inglesa Jane Austen percebe que já no século 19 elas se ensaiavam em interessar-se por relações mais igualitárias e homens mais complexos e sensíveis. O orgasmo feminino, outrora dispensável e até indesejável, passou a ser uma meta para ambos os parceiros amorosos. Aos homens, outrora bastava ser eretos, agora eles têm de ser virtuosos e duradouros na cama. O prazer do casal passou fazer parte intrínseca da relação sexual. Para elas, sexo significa o engajamento erótico do corpo todo, assim como mais tempo, considerando a disposição para os orgasmos múltiplos. O prazer agora envolve pessoas livres que se permitem mais intimidade, longe do orifício inanimado e complacente a que se havia reduzido o corpo das mulheres ditas de bem.

Para os homens emocionalmente mais limitados e presos a uma subjetividade infantil, o sexo tornou-se perigoso e incompreensível, e as mulheres, ainda mais assustadoras. Daí provém a sobrevivência do machismo, pois é mais difícil crescer, amadurecer e enfrentar o fato de que todas as mulheres do mundo não são uma extensão permissiva da mamãe amorosa que imaginavam ter. Os assediadores reduzem as mulheres àquelas prostitutas com quem se relacionam sem medo nem respeito, por isso afirmam que suas agressões são resultado de que elas agem de modo provocante.

Para nossa sorte, há muitos homens interessantes, os quais provavelmente sejam filhos de mulheres que não os criaram como se fossem seu troféu e de casais que souberam mostrar-se capazes de dividir prazeres e desafios. Quanto aos outros: “Eles crescerão, esses homens, para fora do homem-criança que definiu a masculinidade até então”, foram os votos da feminista Betty Friedan, que aqui torno meus.

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