14 de março de 2016 | N° 18472
DAVID COIMBRA
O governo acabou. Mas tenha cuidado
O governo Dilma acabou. Mas é preciso ter cuidado com o que vem por aí. Você, que foi às ruas ontem vestido de amarelo e gritou de justa indignação, você, que hoje exulta como se seu time tivesse conquistado um título, é justamente você quem tem de ficar alerta.
Sei que é difícil ponderar numa situação dessas. As pessoas estão excitadas. Perspectivas de mudanças, boas ou ruins, sempre são excitantes, e os brasileiros estão sentindo nos ossos o fim do governo.
Um governo é como Deus e o dinheiro: depende da fé para existir.
Tome os deuses da religião greco-romana. Sua mitologia é tão poderosa quanto as histórias da Bíblia, mas quem vai acreditar num deus que se transforma em cisne para seduzir uma mortal, como fez Zeus com a formosa espartana Leda? Tudo bem que Leda fosse adepta da zoofilia, o mundo é estranho, só que ela botou dois ovos! E de um deles nasceu a mais linda mulher humana, Helena, motivo de uma guerra de 10 anos. Quer dizer que aquela que dentre todas era a mais bela era também meio ave?
Essa não...Assim, o império romano relegou os deuses gregos à literatura e adotou o Deus único, invisível, grave e isento dos cristãos.
Já o dinheiro, a credibilidade deste é medida todos os dias. O mercado financeiro não é técnico, não é racional: é matéria de fé. Quando você não acredita numa moeda, o que você faz? Você faz como o império romano fez com os deuses: procura outra. No caso, o dólar. Uma moeda desvalorizada é uma moeda desacreditada. Os investidores são os fiéis: se eles têm fé numa moeda, eles a compram.
Confira a cotação do dólar: o real se valoriza a cada dia. Por quê? Porque os investidores têm informações ou pura intuição de que o governo vai cair. Caindo o governo, a economia vai melhorar. Melhorando a economia, o real será valorizado. Se você é investidor e tem um punhado de dólares debaixo do colchão, o que você faz, quando constata que aquela sua mercadoria está perdendo valor rapidamente? Você vende tudo, enquanto é tempo. E, ao vender tudo, você valoriza ainda mais o real. É uma roda de crenças intangível, mas bastante perceptível.
Como é perceptível que o governo acabou. O mercado não acredita mais no governo, a população não acredita mais no governo, os aliados do governo não acreditam mais no governo. O governo cairá, seja pela Justiça Eleitoral, seja pelo STF, seja pela renúncia.
Agora vem a parte perigosa. A parte que demanda um pouco de reflexão. Porque, com o enfraquecimento do governo, velhos ratões da política nacional estão se movimentando para se repoltrear no poder.
Quem são eles? Um, você sabe, é o indefectível PMDB. Se a chapa que concorreu em 2014 não for impugnada na íntegra, Temer assume. Tudo bem, é uma saída constitucional e legítima. Só que o PMDB não tem credibilidade para levar o governo sozinho. Assim, insinua-se, solertemente, o PSDB. Os tucanos estão tentando arrancar um naco do poder sugerindo uma espécie de parlamentarismo misto. É uma excrescência.
Sou a favor do parlamentarismo, quero deixar claro. Mas do parlamentarismo constitucional, respaldado pelo voto. Não do parlamentarismo de ocasião, como o enjambrado em 1961 para substituir um governo tão destrambelhado quanto o atual.
O PSDB quer o poder a qualquer custo. Só que esse custo quem vai pagar não será o PSDB: será você.
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