29 de março de 2016 | N° 18485
DAVID COIMBRA
Faça a coisa certa
Durante 10 verões seguidos, nós alugamos uma casa na Praia Brava, na Ilha. Nós, que digo, somos eu, meu irmão Régis, meus amigos Degô e Juninho, mais o Dinho, que vinha de Paris e se agregava por uns dias.
Esse era o núcleo. Ficávamos três ou quatro semanas na casa, recebendo amigos. Foram dias ensolarados, noites estreladas, muita diversão e alguma confusão.
Certa manhã, estávamos em grupo na praia e o Degô, sentindo uma estranha sede de algo insípido, incolor e inodoro, chamou com um “ei” o vendedor de água mineral que passava lá adiante. Tempos atrás, contei essa história. O ambulante era um negro de cabelos brancos. Tinha mais de 70 anos, certamente. Carregava nos ombros duas caixas de isopor cheias de garrafas d’água e gelo, cada caixa devia ter o peso de uma criança.
Fiquei observando, enquanto ele se aproximava. Pensei: um homem com essa idade e ainda levando seu fardo...
O Degô pegou uma garrafinha, ia pagar, mas... Cadê o dinheiro? Ele havia enrolado um maço com uns R$ 200 na bermuda, a fim de passar o dia na areia, mas sumira. Procura dali, procura daqui e, de repente, o vendedor de água mineral colheu algo da areia:
– Aqui está o seu dinheiro.
Admirei o homem. Podia ter embolsado o rolo de notas, ninguém ia ver, estávamos todos de costas, mas ele foi absolutamente honesto. O Degô, em reconhecimento, dispôs-se a pagar R$ 2 pela garrafinha de mineral, que custava R$ 1. O vendedor recusou:
– A mineral custa um real.
– Mas estou dando mais um – argumentou o Degô.
– Se o senhor quiser, pode levar duas garrafinhas.
– É só um pequeno agradecimento...
– Não precisa agradecer com dinheiro. Quero só o valor da mineral que o senhor comprar.
O Degô comprou duas garrafinhas, comprei mais duas. O homem deu o troco e se foi, com as grandes caixas de isopor nos ombros. Não havia orgulho em seu gesto, ele não estava tentando dar qualquer significado ao que fez. Fez simplesmente porque devia ser assim que sempre fazia. Era sua forma de se comportar.
Aquele homem, que dentre todos os homens devia precisar de um real a mais, recusava-se a tomar o que não fosse produto do seu trabalho.
Esse é um herói. Nesses heróis acredito. Não acredito nos que se dizem heróis.
Um homem que faz o seu trabalho, que só quer viver sua vida em paz e que tenta agir corretamente, basta isso para tornar o mundo melhor.
Os críticos de Sergio Moro dizem que ele quer ser um super-herói. Um Batman. Não é o que parece.
Provavelmente ele se deixa besuntar pela vaidade ou pela ira de vez em quando. Sendo venerado por milhões, odiado por milhares e discutido por todos, como poderia ser diferente? Mas, na essência, Sergio Moro dá a impressão de ser apenas um homem que tenta fazer a coisa certa, como aquele vendedor de água mineral.
E isso é o mais fascinante e alvissareiro: um juiz de primeira instância, um punhado de promotores e alguns policiais, pessoas comuns, que não têm discípulos ou asseclas, que não carregam bandeira nem usam esta ou aquela cor, pessoas sem capa, espada ou estrela no peito, pessoas que nunca se disseram salvadoras da pátria e que anseiam apenas fazer um bom trabalho, essas são as pessoas que estão mudando de fato o Brasil.
Não me surpreende. Os heróis do Brasil sempre foram os que não se acham heróis. Os heróis do Brasil não anseiam pelo poder. Anseiam, apenas, poder dormir em paz.
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