quarta-feira, 30 de março de 2016


30 de março de 2016 | N° 18486 
DAVID COIMBRA

Quanto vale um deputado


O Peninha definitivamente é um pândego, mas conseguiu produzir clássicos sobre o descobrimento do Brasil. Neles, fica mais ou menos claro que a Cabral não foi dado o comando da sua poderosa armada pela excelência que demonstrava como soldado ou como capitão de navio, e sim por sua fidalguia.

Cabral era casado com uma mulher riquíssima e tinha influência na corte. Competentes mesmo eram alguns de seus capitães subalternos, como os irmãos Diogo e Bartolomeu Dias.

Perceba, pois, como é antiga a rejeição à meritocracia no Brasil. Uma viagem daquelas era perigosíssima. Grande parte da tripulação não voltava para casa. Um dos navios da armada de Cabral, inclusive, desapareceu logo no início da jornada. Ninguém sabe o que ocorreu, ninguém viu. Cento e cinquenta homens e uma caravela foram simplesmente tragados pelo mar.

Mesmo assim, a escolha para o comando de um empreendimento tão caro e arriscado foi política, não técnica.

Cinco séculos depois, essa continua sendo a lógica brasileira. Ontem os peemedebistas deixaram seus cargos no governo federal. Que diferença fará para a população?

Meu Deus, estamos perdendo um grande ministro do Turismo! Oh, não, justo agora que a Aviação Civil ia tão bem...

Ninguém se importa. Por quê?

Porque não tem importância.

A política, no Brasil, é uma política de classificados de jornal. Não passa de uma luta rasteira por melhores empregos.

Se você é empreendedor e está em dúvida sobre em que negócio investir, aí vai uma dica: funde um partido. É fácil, no Brasil há mais de 30. Fundado o partido, você já receberá algum do Estado. Se eleger um único deputado, você tirou o que meu avô chamaria de “sorte grande”.

Com um só deputado, você tem mercadoria suficiente para enricar como um Cabral singrando os mares. Aquele deputado vale tempo de TV durante a propaganda eleitoral e, o melhor de tudo, vale um voto.

Imagine hoje, em que a Presidência da República está em jogo, quanto valeria o voto desse seu deputado solitário. O que não lhe ofereceriam para dizer sim ou não ao impeachment.

Em qualquer outro lugar, essa negociação seria escandalosa. Em qualquer outro lugar, um regime chamado de “presidencialismo de coalizão” significaria a formação de aliança com o objetivo de atingir um fim comum. Ou seja: uma conjugação de ideias.

Digamos que você reunisse os partidos que defendem a escola pública como base para o desenvolvimento da nação. Na hora de escolher o ministro, a pergunta a ser respondida não é “de qual partido é o ministério”, mas “que pessoa é a mais indicada para tocar adequadamente nosso projeto de valorização da escola pública”.

Isso em qualquer outro lugar. Não no Brasil. No Brasil, o presidente dá um ministério em troca de apoio, como se desse uma bicicleta. O partido que ganha a bicicleta, repoltreia-se nela como bem entender.

Por que um político recebe de presente determinado ministério? Pelo seu poder de angariar votos dentro daquele partido, não por seu conhecimento da pasta. E ele toma o ministério não para fazer algo de positivo naquele setor, mas para poder distribuir empregos aos seus apaniguados.

Aquela diretoria é sua, porque você me somou um milheiro de votos. Você vai ficar com uma secretaria, porque me valeu 500.

Toda a política brasileira resume-se a uma agência de empregos. Tire deles a possibilidade de dar empregos, e a política será desratizada.

O rei dom Manuel deu a Cabral o comando da armada porque tudo lhe pertencia, ele podia, ele era o rei. Nossos presidentes dão ministérios porque tudo lhes pertence, eles podem, eles são reis. Negócios particulares, coisa de secos e molhados. É assim que é. Sempre foi. Sabemos há cinco séculos.

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