26 de março de 2016 | N° 18483
CARPINEJAR
Não é brincadeira
Não é o trabalho que me cansa. Não é viajar três vezes por semana e dormir três horas por dia. Não é acordar cedo e conciliar casa, filhos e contas a pagar. Não é o excesso de tarefas, de obrigações e de responsabilidades. Não reclamo por não parar quieto, por ler em trânsito, por comer voando, por render os intervalos apressados de mim para a musculação e rústica. Não reclamo das olheiras e dos cochilos de pé no ônibus.
Só me falta na vida não mais me preocupar com o amor. O que me exaure é a procura de alguém: alguém que esteja dentro da minha solidão para não precisar mais estar sozinho.
Se quem é solteiro já sofre, imagine a situação de quem ainda por cima é romântico, pretende casar e seguir um relacionamento sério.
É uma maratona que começa nos aplicativos e redes sociais, é peneirar fotos, hábitos e postagens, é convidar no Facebook, é adicionar o telefone, é manter agenda ativa de eventos, é tentar fazer uma piada que não será entendida por diferença de geração, é perdoar gente com alternância absurda de humor, é gostar daquela que não gosta de você e recusar aquela que se interessou por você, é distinguir psicopatas e doidas das intensos e apaixonadas, é não saber se segue os conselhos dos familiares (vá devagar!) ou dos amigos (não deixe de ir!), é se defender de grosserias e gratuidades, é adorar a aparência e não suportar a burrice, é admirar a inteligência e não aguentar a cafonice,
é se arrumar todo para não conhecer ninguém interessante, é enfrentar a estranheza de um novo corpo, é receber em casa, perceber que não há futuro e gastar os bons modos fingindo simpatia, é comparar as relações de antes com os problemas de agora, é atravessar as cantadas chatas dos bares, é decodificar os gritos nas baladas, é sair para jantar, é explicar um filme, é acreditar que achou, é perceber que não achou ainda, é festejar um velório, é enterrar uma festa, é recomeçar a busca, é alternar momentos de extrema esperança e excitação com picos de desânimo e ceticismo, é temer a recaída com ex com as sucessivas desventuras, é acompanhar os colegas em fracassos, é errar a medida da bebida e arcar com a ressaca moral, é retomar a terapia, é abandonar a terapia.
Não existe canseira maior, tanto física quanto espiritual, do que a expedição pelo par ideal.
Cada mês do solteiro romântico equivale a um ano do casado, tamanha a volta na alma, os passeios pela Cidade Baixa e pelo Moinhos de Vento, as promessas infundadas e os romances abortados.
O curioso e engraçado é que, quando encontrar a minha mulher, esquecerei todo o esforço que tive, não protestarei pela demora, não xingarei os percalços. Graças a Deus, a felicidade sempre foi desmemoriada – a boba da dor é que não esquece nada e jamais perdoa.
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