segunda-feira, 14 de março de 2016



14 de março de 2016 | N° 18472 
L.F. VERISSIMO

Transfiguração


O inédito espetáculo de empresários graúdos, como Marcelo Odebrecht, sendo condenados à prisão tem dois significados colaterais, um retroativo – o reconhecimento tardio da razão que tinha o senador Pedro Simon quando lutava sozinho, em Brasília, para que se punissem os corruptores junto com os corruptos – e o outro uma condenação, também tardia, do capitalismo à brasileira.

Simon queria acabar com uma anomalia, a corrupção sem corruptores, ou a corrupção com um lado só. Não teve apoio nem sucesso porque sua ideia contrariava hábitos nacionais que vinham desde que Cabral botou o pé na praia, certamente antes de existir o PT.

Nosso capitalismo de compadres foi sempre feito de conluios e cartéis, licitações arranjadas, favores comprados e outros vícios do compadrio. [(Nunca é demais lembrar as imortais palavras do Rubens Ricupero quando não sabia que o microfone estava aberto: “É tudo bandido”.). Mérito do Moro, que resolveu ser um Pedro Simon consequente, e azar do PT, que foi se meter na farra dos compadres justamente quando chegou a polícia.

Se o objetivo da Operação Lava-Jato é moralizar os costumes empresariais do país ou pegar o Lula de qualquer jeito não interessa. O fato é que, no processo, ela nos proporciona este exemplo quase eucarístico de transfiguração. O que era usual virou pecado. O sonho de Pedro Simon se realiza.

Sobre a hipótese de toda essa produção ser só para pegar Lula e inviabilizar sua candidatura em 2018, recomenda-se a leitura da coluna do Janio de Freitas na Folha de S. Paulo da última quinta. Escreve o colunista que, num país sério, as circunstâncias da ida coercitiva de Lula a Congonhas, os vazamentos da operação, o suposto avião pronto para levar Lula para a prisão etc estariam sendo investigados, restando a pergunta “por quem?”.

Janio de Freitas também se refere ao fato de um dos delegados na Operação Congonhas ser um dos citados numa reportagem de O Estado de S. Paulo, publicada no início da Lava-Jato, sobre a troca de e-mails entre delegados contendo insultos a Dilma e Lula e elogios a Aécio. Uma matéria da qual, como de tantas outras nestes tempos misteriosos, nunca mais se falou.

De qualquer maneira, a velha história de que no Brasil só ladrão de galinha vai preso não vale mais. Odebrecht também vai preso. A diferença é que o ladrão de galinha não pode delatar outros ladrões de galinha para diminuir sua pena.

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